sábado, dezembro 13, 2008

7.10 - Dom

[ Dom ]



A minha menina é assim, bem assim.
De Capitu não tem os olhos, sobra-lhe o mar.
Se essa assim é minha sina, que me assina a sentença
minha - ser, estar, permanecer - menina
Finge que é uma outra qualquer, faz ares, imitação

Por que é que você some e volta contando historias?
me consome no que diz, verbo e pronome
Por que é que você não fica de uma vez por todas na minha vida?
mas precisa, bem assim, sair e voltar
pra me fazer pensar o que seria de mim se fosse pra sempre

Tinha que ser assim, bem assim, diferente
assassina meus devaneios com pés bem no chão
me irrita e me encanta, por não saber me entender
e me faz ver que eu é que nada de mim sei
O que é que você quer?
quando joga,
quando afoga,
quando nega,
quando interroga

por que ela tem o nome
e tenta. e consegue. e sabe o que fazer.
ela, assim, sim, descobre o ponto fraco
responde com interrogações e fecha os olhos
não lhe vêm as lágrimas, bem assim
diz, simula. e provoca. e causa.

e a vida pra ela é assim, bem simples
sintomas de verão, quase que roupas
e cabelos, olhos, belos
bocas, perfumes e frases pela estrada
mais reticências do que vírgulas
espaços abertos, letra acinzentada

A minha menina é assim, bem assim.
o meu defeito, é querer e ainda mais
quando o tempo, a janela e o quilômetro falam
o defeito dela, que me tira a paz
é que minha, desse jeito assim, me embalam
não de nada, apenas de si, nunca de mim

Dica de Locadora: Dom - o filme brasileiro traz Maria Fernanda Cândido vivendo "Capitu" antes da microssérie global. Premiada, interpretou o pivô de um triângulo amoroso inspirado em Dom Casmurro, passado na atualidade, entremeado entre coincidências. Seu Bento era o Dom. Mas o dom sempre foi dela.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

7.09 - Nuovo Cinema Paradiso

[ Nuovo Cinema Paradiso ]


Porque minha história com o cinema começou já torta. Não que eu considere, assim como milhares de outros podem chegar a dizer, menos nobre a escola de onde eu vim. Mas é que, naquela época, em que o videocassete era a lei, e as milhares de fitas de vídeo do meu pai enfeitavam as prateleiras do quarto, o cinema pra mim era Hollywood. Toda a minha formação original nessa área veio dos clássicos, veio da assinatura da revista Set que meu pai fazia. Eu gostava de ler e reler mil vezes os volumes daquela pilha gigantesca de astros e estrelas sobre a calçada da fama. Fazia filmes com atores reais da minha própria cabeça. Kubrickando sem querer...

Foi em Hollywood que aprendi a mexer mentalmente numa câmera, procurando com os movimentos e closes, o melhor ângulo. A estética, nessas horas, é o principal. O brilho, as luzes ofuscantes daquele universo paralelo, tão longínquo quanto qualquer sonho, para um garoto de 8 anos. Porque minha história com o cinema não começou de um jeito marcante, não houve aquele filme que me fez querer olhar para o alto e descobrir que, um dia, era aquilo que eu ia estudar na faculdade, aquilo o que eu ia querer fazer, na prática, do meu ganha-pão. De cidade pequena, me restava uma locadora limitada, da qual vi todos os filmes que me eram possíveis pela minha faixa etária. Colecionei pôsteres e acompanhei uma galera radical aprontando as maiores confusões na Sessão da Tarde. E vou negar que isso fez parte da minha formação cinematográfica? De Macaulay Culkin a Tatum O'Neill... Fui, pela primeira, vez ao cinema assistir Pânico 2. Semanas depois, Titanic. E não me arrependo. Teria sido melhor começar com Ladrões de bicicleta? Ou, de uma maneira menos ambiciosa, Felicidade não se compra?

Conheci Grace Kelly na capa de uma revista, Orson Welles nas páginas de outra, ao lado de Demi Moore, Tom Hanks, Alicia Silverstone. Porque é assim que tem que ser. Comerical? Se chegassem a pensar que é assim que eu vendo meu intelecto, assim que desperdiço os meus dias, assistindo reproduções de clichês, meras produções que devem sua existência a um outro cinema, este mais rico, denso, eu diria que é bem assim que deve ser. Foram as luzes de Hollywood que me fizeram despertar. Não apenas uma, mas várias comédias românticas com Meg Ryan que me chamaram atenção para um jeito diferente de produzir a realidade.

Porque foi tarde demais que eu conheci Antonioni. Bergman, Fellini, Visconti, de Sica, Ozu eram apenas nomes. Hoje reconheço o brilhantismo das obras modernas, que transpõem as barreiras do clichê norte-americano. Mas não por isso devo abandonar a terra que me acolheu, em sonhos. Não por isso fecho os olhos ao que Hollywood me proporciona, a cada premiére. Porque o cinema é um só. E (me) é possível amar tanto Monica Vitti quanto Reese Witherspoon. Porque Katherine Hepburn representada por Cate Blanchett no blockbuster sobre um sonhador, como eu, é a síntese do que o cinema significa pra mim.

Tantas são as dimensões que o cinema possui, que resumi-lo a fez Godard é tão injusto quanto acreditar que Spielberg seja o maior diretor de todos os tempos. Um nos dá o desprezo, o outro, dinossauros... Porque sonhos, e a vida, no geral, é feita do que está por dentro e do que está por fora. Não é desse cinema exterior que ganha sentidos interiores que viveu Hitchcock?

Minha história com o cinema é torta, mas não por culpa das comédias e filmes adolescentes que vez ou outra me ocupo de ver - e que me causam tanto fascínio quanto preto-e-brancos. É torta por eu ter acreditado, por anos, que era errado adorar Hollywood. De lá vieram tantas pérolas quanto aquelas das ostras neo-realistas, surrealistas, formalistas, fascistas ou comunistas. É dessa comunhão, do homem com a câmera que nos faz unir Sergio Leone e Guillermo del Toro num mesmo patamar. Porque a genialidade é multifacetada. E quem quer que desconheça, ou ignore, ou mesmo negue essa realidade, não entende o cinema. E terá sido em vão cada segundo dividido em 24. Terão sido vãs as percepções diegéticas de Eisenstein, que se descobre tarde, após anos de John Hughes. Tornatore me ensinou mais do que amar o cinema, no sentido físico da palavra, mas também me ensinou a amar Monica Bellucci.

Graças a Hollywood, cresci com Tom Hanks, toquei teclado na loja de brinquedos, corri contra o tempo com Sandra Bullock, viajei ao passado com Michael J. Fox, matei aula com Matthew Broderick, enfrentei duendes malignos com Jennifer Connelly, cresci cedo demais com Robin Williams... E também desvendei fórmulas matemáticas com Matt Damon, psicanalisei uma fila de cinema com Woody Allen, enumerei meus dramas amorosos com John Cusack, encarei lutas com Brad Pitt, me apaixonei por Mrs. Robinson com Dustin Hoffman, tive crises de criatividade com Nicolas Cage, fiz brigadeiro com Liv Tyler, torci parra que a assassina fosse interrogada de novo com Sharon Stone, me casei com Julia Roberts. Respirei Tarantino, ri com Diablo Cody, me fascinei com o mundo de Coppola, mordi o pescoço de Kirsten Dunst, cresci com Christina Ricci, morri na tragédia com Leonardo di Caprio e Claire Danes.

Continuo a minha dieta. De macarronis a Morricones. Continuo devorando com o mesmo gosto Fritz Lang e Christopher Nolan. Continuo cinéfilo e cinófilo - e darei ao meu cachorro o nome de Godard. Não há maneira vil de se fazer cinema. Todo close, todo plano, toda cena é nobre. Em cada Bette Davis há boas intenções, em cada Reese Witherspoon há arte. Há beleza no que faz o cineasta independente, com apenas algumas idéias leves e joviais na cabeça. Há razão tanto em Cary Grant quanto em Keany Reeves. Não há como negar que, entre fotografias, trilhas, espaços, lugares, sentidos, não exista cinema. Porque não há cinema ruim. Há apenas filmes ruins.

E, aos meus filhos, Capras, Disneys, Lucas e Spielbergs. Para que a infância de todos tenha tantos sonhos quanto foram os meus.

Dica de locadora: Nuovo Cinema Paradiso (Cinema Paradiso).
Trilha sonora: Por que você faz cinema? (Adriana Calcanhotto)
Citação: y tu mamá también.