quarta-feira, janeiro 28, 2009

Austrália

ou Como aceitar que seus atores preferidos façam filmes ruins

Eu amo Nicole Kidman. E talvez nem precisasse ouvi-la cantando com Robbie Williams, mexendo o nariz da forma mais bonitinha do mundo ou ganhando Oscars por aí para amar. Gosto dela como gosto de poucas outras atrizes, e é o que me faz sentir muito por um filme como Austrália (Australia, Baz Luhrmann, 2008) ter sido feito. Um amigo meu que não vai muito com a cara da atriz diz que ela é até boa no que faz, mas ele sempre tem a impressão de que poderia ter sido melhor se fosse outra pessoa fazendo aquele papel. Nesse caso, acho que eu concordo com ele. Não estou dizendo que o trabalho dela como atriz está um centímetro abaixo do que eu esperava. O resto todo é que está. Vamos aos fatos:

A primeira coisa que eu li sobre Austrália foi uma entrevista com Hugh Jackman. Nela, o ator oceânico era perguntado como era trabalhar num filme de Baz Luhrmann sem atores cantando no meio das cenas. Eu não me lembro a resposta, mas fiquei pensando na obra do cineasta. No início dos anos 90 ele deu um upgrade na nossa Sessão da Tarde com Vem dançar comigo (Strictly Ballroom, 1992), um filme-teatro baseado em passos de dança que tentou embarcar no sucesso dos filmes-coreografia dos anos 80 (Dirty Dancing - Ritmo Quente, Footlose, etc). Uma pena não ter emplacado como seus antecessores, mas só assim o mundo conheceu a música "Love is in the air" de John Paul Young. Aliás, dentre os bright-musicals daquela época, esse era o mais bem cuidado e um dos mais premiados. 4 anos depois veio Romeu + Julieta (Romeo + Juliet, 1996). Cultuado pelos vanguardistas, detestado pelos ortodoxos, trazia uma versão musicalizada e moderna do drama elizabetano inglês. Mas Luhrmann só entrou na boca do povo com Moulin Rouge em 2001. Foi quando o cineasta assinou um contrato eterno de afetividade com a conterrânea Nicole Kidman, pôs na loira (então, ruiva) um microfone e mandou-a soltar a voz. Inaugurou-se assim a era dos musicais modernos. Em Austrália, não há cantoria e holofote. Mas a música certamente desempenha um papel crucial na história. Uma versão de gaita de "Somewhere over the Rainbow" é do que você provavelmente irá se lembrar depois que vir o filme. E talvez seja a melhor coisa para se lembrar.

Quando comecei a ver o filme já sabia que teria que aguentar 3 horas sem dormir (o que tem sido difícil). Acredito sinceramente que para que um filme tenha mais de 2 horas, deveria passar por um conselho Jedi do cinema pra ver se realmente vale a pena gastar mais milhões com mais minutos. As cenas iniciais me surpreenderam. Diálogos velozes, piadinhas de humor fácil, passagens de tempo rápidas, história narrada por uma criança. Fórmula perfeita para a Sessão da Tarde. Será que eu estava realmente vendo o épico anunciado nas críticas? Era o mesmo filme que discutia a questão da segregação racial (chamada assimilação, no caso australiano) em relação aos aborígenes, a vida dos "drovers" (um tipo de vaqueiro de comitiva, mais ou menos o que são os peões pantanenses do Brasil) nos "outbacks" (desertos) do país, a II Guerra Mundial? Não. Não era. Era só uma comédia romântica com final certeiro entre uma aristocrata inglesa e um vaqueiro. A personagem de Kidman, Lady Sarah Ashley, decide ir até a Austália para convencer o marido Maitland a vender seu pedaço de terra - e abandonar qualquer possível amante australiana. No caminho, é conduzida pelo Drover, um Hugh Jackman... bem... sendo Hugh Jackman, urrando, expelindo garras, essas coisas. Bate-boca entre os dois. Tensão sexual. Quando Sarah chega na fazenda do marido, um lugar chamado Faraway Downs, encontra-o morto, recentemente assassinado. Ao que tudo indica, o autor do crime é King George um velho aborígene que vive erraticamente pelos lados de lá. Entre as pessoas da fazenda estão a filha de King George e seu filho, Nullah, que torna-se o personagem central da história.

Como que para nos habituarmos com a aridez e a fotografia (e os fundos falsos, como diriam meus companheiros de sessão), vemos uma sequencia interminável de cenas leves e literalmente coreografadas - Luhrmann não resistiu, sabia! - que resultam numa situação mais ou menos simples. Fletcher, antigo capataz da fazenda, está roubando o gado e fornecendo a King Carney (o maior latifundiário da região) levando Faraway Downs para o buraco. Sarah decide que não vai mais deixar isso acontecer e a única saída é vender o gado ao exército, porém, precisa cruzar o deserto para chegar lá antes de Fletcher. Ok, pra mim parece até uma premissa interessante. Lembrando que estamos falando de sessão da tarde. Tá, Drover a ensina como guiar o gado, os dois se aproximam, e aproximam também do garoto, enfim. QUando nos vemos encaminhando para o que poderia ser um final possível e feliz, temos um final possível e feliz. Ou não. Se o filme acabasse nesse momento, até que não seria um fracasso.

Mas ele continua... e continua... e de repente uma cena que poderia ser final, com beijo na boca à contraluz e tudo. E mais filme. E não to falando de conflito, de vilania não. É só filme, e filme, e cena banal atrás de cena banal. E anos se passam sem que nada muito mais grave que discussões conjugais acontece. Até que o filme resolve acontecer de novo. Após o ataque a Pearl Harbor, os japoneses invadem a Austrália. E o que acontece diante de nossos olhos é um filme completamente diferente daquilo que víamos antes. Nada mais de piadas, nem coreografias, só a música da gaita continua. Alguns chamariam de segundo ato. Eu chamo de outro filme.

Não é que seja um filme ruim. Se você fizer o jogo do contente, pode até achar que viu dois pelo preço de um. Porém, não acho mesmo que compensa. Todos os atores do filme são bons ou pelo menos aceitáveis. A fotografia é legal, o cenário também, a direção é cuidadosa e atenta, todos os ingredientes são ótimos. Mas não juntos. Simplesmente não dá liga. Apesar da conterraneidade, ver Hugh Jackman e Nicole Kidman juntos é ver Wolverine beijando Satine. O que passa na tela é anacrônico, disjunto. A separação do filme em dois tomos principais (e milhares de outros secundários) acaba por ressaltar a discrepância de seus elementos, um em relação ao outro. Até mesmo a músiquinha do "Mágico de Oz" parece meio fora do lugar. Tudo isso junto faz com que o problema do tempo (ser longo não é o pior defeito de Austrália, porque ele não é chato, não tem barrigas) fique realçado. Você olha para todos aqueles barcos, e aviões sobrevoando vilas em chamas, e uma penca de figurantes, e imagens belíssimas no chromakey e vê que é a epicização (será que isso existe??) de uma história que não precisava de nada disso.

Dizem que Luhrmann só fez Austrália porque queria fazer algo perto de casa. Depois de perder para Oliver Stone uma oportunidade para fazer um épico (ele também queria filmar a história de Alexandre, o Grande), lá se foi o cineasta pesquisar a história do país. O problema talvez tenha sido esse: Luhrmann tinha a questão dos aborígenes, da geração roubada (os mestiços das duas raças, que era um povo sem-lugar), dos drovers, tinha o cenário, tinha o gado, tinha Nicole Kidman e Russell Crowe, dois australianos famosos pra atrair gente, e simplesmente resolveu juntar isso tudo. Depois que Crowe saiu do projeto, contratar Jackman foi inteligente. Após conseguir um filme da franquia "X-men" só pra ele, onde é que vai parar o ator que interpreta o Wolverine? Vai ficar pra sempre no underworld caçando vampiros e lobisomens? Austrália foi uma oportunidade para Jackman variar um pouco (só um pouquinho mesmo, quase nada) do estigma de anti-herói. E ele aproveitou. A química com Nicole Kidman é boa. Quem é que não quer ver os dois juntos? Já a atriz parece sofrer pra fazer o papel. Acho mesmo que o lado Smeagol da australiana estava provocando nela uma luta interna durante as filmagens "Mestre, ele é o Baz Luhrmann, que te fez cantar e tossir em Moulin Rouge!" "Não, ele é um cara doido que me pôs numa fria, ou melhor, numa quente!".

Nicole sabia onde estava se metendo. Assim como sabia quando fez o criticado A Isca (Birthday Girl, 2001), quando decidiu viver uma história fictícia da real Diane Arbus em A Pele (Fur, 2006), rendendo alguns momentos que resumem bem o conceito de bizarrice. Não dá pra parar de amá-la se você for, como eu, um fã. Sempre damos uma chance aos nosso favoritos. Agora, o Baz Luhrmann que me desculpe, mas se eu fosse a Nicole, não daria uma outra chance a ele.

Australia, 2008
Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Ronald Harwood, Stuart Beattie, Richard Flanagan
Elenco: Nicole Kidman, Hugh Jackman, David Wenham, Brendon Walters
Duração: 166 minutos

Update: Bel! Obrigado pelas observações!!

Interlúdio da Temporada - OSCAR

Dois anos atrás, o Victor decidiu ver o máximo de filmes indicados ao Oscar que pudesse antes da cerimônia de entrega dos prêmios e nos presentear com uma série de postagens sobre as obras. Até hoje quando penso em alugar ou ver na TV um dos filmes daquele ano, eu lembro do que ele escreveu para usar como parâmetro. No ano passado, eu fiz uma maratona parecida, tentando ver pelo menos os filmes indicados ao prêmio principal da Academia. Até que consegui cumprir, mas não ficou nada registrado, alem das minhas humildes impressões sobre as películas guardadas na memória. Este ano, estou repetindo a dose, assistindo aos principais filmes concorrentes nas principais categorias. Depois de ver o terceiro, decidi escrever pequenas críticas sobre eles. Como eu não consigo escrever coisas pequenas, vieram críticas grandes mesmo. Na verdade por enquanto veio só uma, mas já estou ensaiando coisas sobre os que eu já vi e os que eu ainda hei de ver. Agora, por que começar com Austrália? Logo um filme que nem bombou tanto assim nas indicações da Academia... Bom, vou começar com Austrália para tentar descobrir e esclarecer por que ele NÃO figurou entre os melhores do ano. Filme de Baz Luhrmann com Nicole Kidman, da última vez que isso aconteceu foi prêmio pra tudo que é lado, além da reinauguração de um gênero do cinema contemporâneo.

Dessa maneira, espero que eu não me prolongue demais ou beire a chatisse. Não me incomodo se alguém preferir não ler, mas considero escrever sobre esses filmes um dever ético com o meu senso crítico, ehhe. Os links levam até a Wikipédia, que pra mim é a coisa mais confiável do planeta depois do Google. Tirem a pipoca do microondas, apaguem as luzes e aproveitem.

terça-feira, janeiro 20, 2009

7.11 - Big

[ Big ]





Eu encontrei uma aranha no meu quarto. Não daquelas aranhas de parede, magrelas, que se mata só de se olhar. E nem daquelas de banheiro, que subiram em mim um dia no banho quando eu tinha uns 6 anos e me causaram um trauma homérico que será curado só com terapia. Pequena, avermelhada. Me fez cuidar dos meus movimentos durante a noite só para não perturbar o sono dela. Me fez prestar atenção no meu quarto, bagunçado até a alma. Uma bagunça que até outro dia eu achava que era importante, por servir de contraponto a uma superfície organizada que eu sempre teimei em mostrar.


E, do nada, pernilongos também invadiram a casa. Sétimo andar... como é que eles chegam até aqui. O problema dessa vida sem problemas que eu resolvi levar, como um jogo do contente de tudo, é a falta do que fazer. A falta de coisas com que me preocupar. Daí preocupo com coisas tão bobas que paro e começo a rir.
Mas no fundo, nem me preocupo com os mosquitos ou aranhas (tá, me preocupo um pouco, é trauma de infância, fobia...). Mas sim com o fato de ser sozinho. Quando olho no espelho do meu banheiro, to ali, uma figura sozinha. Não, não é hora de reclamar de falta de amigos ou amores, isso tudo a gente supera. Aliás, falta de amigos nunca foi um problema pra mim, e não é agora que vou reclamar disso. O negócio é a solidão interior. Nem é aquela que dói. É só uma constatação da minha condição solitária.

Visitei o canil de cachorros outro dia. Sonhei em comprar um pro meu filho. Sonhei com o filho, inclusive. Na cadeirinha do banco de trás do meu carro esportivo no caminho ermo para as cachoeiras inexploradas do país. É o que eu quero da vida. Uma família com mulher, dois filhos (pode até ser três) e um golden retriever bem grande e babento. E um carro. E uma casa. E que tudo isso não demore muito a acontecer.
Porque outro dia eu percebi que só tenho um ano. Um ano e daí, puff, formatura. E viro adulto. Viro gente grande. Já pago minhas contas, já faço minhas compras. Mas não tenho meu próprio plano de saúde. E não penso na economia do lar, nem no leite das crianças, nem nos caprichos da esposa...

Como é que essa realidade que eu sonho pode estar tão longe de mim? Nem eu consigo me levar a sério como um adulto. Apesar de já ter entrado na casa dos 20 eu olho pro mesmo espelho que eu falei antes e eu vejo um garoto. Que espera fazer um filme, tirar carteira de motorista e quitar as dívidas da formatura ainda esse ano. Que espera que não chova amanhã pra poder ir pro clube ou pro cinema. Que espera que os amigos antigos o perdoem pela ausência e que os novos apenas liguem para ele às vezes.

Que espera virar gente grande.

Dica de Locadora: Big - Quero ser grande. Tom Hanks, uma máquina que faz com que ele passe dos 13 aos 30 (sim, ele teve essa idéia antes da Jennifer Garner), um teclado numa loja de brinquedos e um desejo. Será que quando eu for "grande" eu vou querer ter sido "pequeno" mais tempo? Provavelmente, por isso esse ano é O ano...