segunda-feira, fevereiro 23, 2009

81st Annual Academy Awards

"Que porra é essa?". É o que eu imaginei que muita gente estivesse falando ontem, no início da cerimônia televisionada do prêmio anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, os Oscars. Inclusive uma parte lá dentro de mim que teme em ser conservadora também se debateu durante a abertura musical de Hugh Jackman. Mas antes de falar disso, vamos à história.

Sid Ganis é presidente da academia desde 2005. Preso num emaranhado de tradições, entre o glamour e a política, o americano já devia estar cansado do modelo de festa do Oscar, assim como nós. Mas se formos julgar pelos filmes cuja produção foi assinada por ele, é possível que há muito tempo ele já tinha em si o desejo de rodar a baiana. Este ano, que pode ser o último de seu mandato como cabeça da maior academia de cinema do planeta, chegou a sua hora.

Assim, tratou logo de contratar Laurence Mark e Bill Condon (produtor e diretor de Dreamgirls) para produzir a festa. Pela primeira vez desde que eu acompanho o Oscar, a festa não foi só uma cerimônia formal. Foi um filme. Um filmaço. Com cenários espetaculares inspirados em Michelangelo, um roteiro bem mais divertido do que o de costume, um figurino impecável desfilando pelo tapete vermelho, e, é claro, um elenco estelar. Nunca se viu um palco tão pequeno, tão próximo da platéia de astros milionários. Todas as surpresas que Ganis anunciou no dia 22 de fevereiro, ao indicar ao lado de Forest Whitaker em rede nacional os concorrentes, se concretizaram. O que Ganis, Condon e Mark estavam arriscando era simplesmente uma tradição octagenária. Poderia ser um sucesso ou um fracasso.

A escolha de Hugh Jackman fez os ortodoxos cults torcerem o nariz. "Po, ele é o Wolverine!!". Eu, inclusive, falei que não dava pra esperar muita coisa do ator australiano, mesmo que não fosse culpa dele que só lhe metessem em filmes em que ele interpreta ogros rústicos a la Marcos Pasquim. Jackman cresceu e apareceu. E fez bem, cantou bem, o número da abertura ficou realmente bacana. Teve tempo de dançar, atuar, pular, sapatear e ainda cantar em dueto com Anne Hathaway. Falem o que quiser, foi uma idéia genial criar uma atmosfera intimista de espetáculo. Pela primeira vez (vocês ainda vão ler muito essas três palavras neste post) na história, assistir ao Oscar foi assistir a um show. Uma novela com capítulos dirigidos por Judd Apatow (esse cara é muito bom) e Baz Luhrmann. Com voz de tenor, Jackman ganhou meu respeito.

A próxima surpresa da noite, que pra mim foi o auge desta edição do Oscar, foi o anúncio do prêmio de Melhor Atriz coadjuvante. Um videoclipe com algumas das 70 atrizes que já receberam o prêmio surgiu no telão, antes que 5 delas, escolhidas a dedo, representando gêneros diferentes, eras diferentes da história do cinema, ancestralidades diferentes, viessem ao palco para falar diretamente com as 5 indicadas. Nada daquilo "os indicados são", seguido de microvídeos com as ceninhas mais legais das atrizes nos filmes. Cada atriz indicada recebeu uma pequena homenagem de uma oscarizada. O espetáculo se repetiu com os outros 3 prêmios de atuação ao longo da noite. Teve Marion Cotillard anunciando o nome de Kate Winslet, teve Alan Arkin anunciando o nome de Heath Ledger. Maravilhoso!

Os prêmios foram divididos entre blocos temáticos. Os prêmios de montagem e som, por exemplo, foram anunciados em seqüência, os prêmios musicais (pô, Zac Efron??) de trilha sonora e canção original também, assim como os prêmios de direção de arte, num cenário especificamente planejado e muito bonito, feito um camarim da broadway. Tudo parecia muito certo, tão agradável de ver que a gente até esquecia que era o Rubens Ewald Filho que estava falando, e que tinha aparecido no Pre-Show comentando (maldades) do vestido alheio.

Contrariando uma contra-tradição que se estabeleceu nos últimos anos, o filme que ganhou o prêmio máximo do Globo de Ouro também ganhou o Oscar. Quem quer ser um milionário detonou, levando oito estatuetas. O meu medo é que isso cause raiva nos (principalmente nas) fãs do Brad Pitt e seu Benjamin Button. O filme sobre o favelado indiano será um dos últimos a estrear, e já vai chegar no Brasil ganhando inimigos. As pessoas irão ao cinema com resguardas e acharão milhares de defeitos no filme, disso tenho quase certeza. Mas merecido, isso foi.

É óbvio que ainda houve piadas sem graça, textos que pareciam não estar saindo da boca dos apresentadores pela excessiva artificialidade. Claro que ainda existiram imperfeições, uma cortina que não abriu direito, uma apresentação musical meio fraca de Melhor Canção original (o que deixou Peter Gabriel puto da vida). Só que toda a inovação dos números musicais (ponto pro medley de musicais dirigido por Baz Luhrmann estrelado por Jackman, Beyoncé Knowles, Zac Efron, Vanessa Hudgens (High School Musical), Amanda Seyfried e Dominic Cooper (Mamma Mia)) nos distraiu para a imensa obviedade dos premiados.

Com certeza, muita gente ficou desagradada com o show. Sinceramente, o Oscar foi um filme de Tela Quente, de Telecine Premium e não de Telecine Cult como costumava ser. Na minha opinião, neste caso, a escolha foi a mais acertada o possível. Foi o prenúncio de uma era do cinema que aponta pra um universo ainda mais espetacular, cheio de brilhos, cores e músicas. Foi a prova de que filmes blockbuster podem SIM ser interessantes e ter algo a dizer. Foi um tapa na cara dos críticos conservadores, foi a vitória do "there's no business like show business".

Gente, será que vocês não percebem que Hollywood é isso!!! Para ver filmes mais profundos, sérios e densos - não que sejam menos interessantes, muito antes pelo contrário - vá ver o Festival de Cannes (e olhe lá...) ou o Festival de Sundance. Oscar é Holywood, é gente dançando por aí, é o sonho do cinema americano que habitou nossos olhos durante a infância. É o cinema de Marilyn Monroe, James Dean, Marlon Brando (aquele novo, lembra?), Sophia Loren, é o cinema que hoje pertence a Brad Pitt, Angelina Jolie, Nicole Kidman e, sim, Hugh Jackman. É uma festa, é FEITO pra ser uma coisa fútil. É pra ser uma coisa bonita, um festival de vestidos coloridos e queridinhos da América. E, ainda mais sinceramente, se realmente tivesse sido só um prêmio bobo, Benjamin Button teria ganhado*...

Talvez, no ano que vem, quando um novo presidente estiver à frente da Academia, as coisas voltem ao antigo "and the Oscar goes to". Mas a simples ocorrência de uma festa subversiva, no melhor sentido que a palavra pode ter, me alimentou as esperanças de continuar sendo um fã de Hollywood. Há espaço para todos nesta terra de sonhos...

Melhor Filme: Quem quer ser um milionário?
Melhor Filme estrangeiro: Departures (Japão)
Melhor Curta: Toyland
Melhor Longa de animação: Wall-E
Melhor Curta de animação: La maison en petit cubes
Melhor Longa documentário: Man on wire
Melhor Curta documentário: Smile Pinki

Melhor Ator: Sean Penn (Milk)
Melhor Atriz: Kate Winslet (O Leitor)
Melhor Ator coadjuvante: Heath Ledger (Batman - O Cavaleiro das Trevas)
Melhor Atriz coadjuvante: Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona)

Melhor Roteiro original: Milk (Dustin Lance Black)
Melhor Roteiro adaptado: Quem quer ser um milionário? (Simon Beaufoy)

Melhor Diretor: Danny Boyle (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Direção de fotografia: Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Montagem: Chris Dickens (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Edição de som: Richard King (Batman - O Cavaleiro das Trevas)
Melhor Mixagem de som: Resul Pookutty, Richard Pryke, Ian Tapp (Quem quer ser um milionário?)
Melhores Efeitos visuais: Eric Barba, Steve Preeg (O curioso caso de Benjamin Button)

Melhor Direção de arte: Donald Graham Burt, Victor Zolfo (O curioso caso de Benjamin Button)
Melhor Figurino: Michael O'Connor (A Duquesa)
Melhor Maquiagem: Greg Cannon (O curioso caso de Benjamin Button)

Melhor Trilha sonora original: A.R. Rahman (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Canção original: Jai Ho, de A. R. Rahman e Gulzar (Quem quer ser um milionário?)

Prêmio Honorário: Jerry Lewis



*Só pra evitar erros de interpretação, não vi o filme pra dizer se é bom ou ruim, ou bobo ou inteligente, só to dizendo que o prêmio pra este filme seria a coroação das pesquisas de opinião do G1, que dariam o prêmio pra Angelina Jolie e pro Brad Pitt pelo que eles são FORA dos filmes, não dentro.


domingo, fevereiro 22, 2009

O curioso caso de Benjamin Button

ou Nada se cria, tudo se copia

É. Chegou o dia do Oscar. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas festeja a 81ª edição prometendo surpresas. Começando pelo apresentador. Nada de comediantes conhecidos pelo mundo ou provenientes da televisão americana. Colocaram lá o adamantizado Hugh Jackman. E muito mais ainda está por vir... Vamos ver no que dá.


É. Não consegui ver todos os filmes que eu queria ter visto. Me faltaram Wall-E (2008), O Lutador (The wrestler, 2008) e Rio Congelado (Frozen river, 2008), além de uns outros indicados a uma coisa ou outra que queria ver só por curiosidade. E ainda me falta escrever sobre O casamento de Rachel (Rachel's getting married, 2008), que foi o último que eu pude ver. Mas isso fica pro pós-oscar, provavelmente. Quem mandou o carnaval ser agora??

E é. Eu não consegui ver O curioso caso de Benjamin Button a tempo. Talvez tenham sido os mais de 160 minutos do filme que me intimidaram. Andei tendo muito sono e pouco tempo esses dias. Cheguei até a comprar o ingresso pra ver o filme, mas não cheguei a tempo por causa do trabalho. E ainda disseram que era preconceito, porque era mais um blockbuster que estava tentando roubar o lugar dos meus amados filmes indies. Não é. Eu respeito o Brad Pitt, gosto da Cate Blanchett, e nunca tive motivos pra não gostar do David Fincher. Mas simplesmente aconteceu de eu não ter visto o filme, favorito absoluto a uns 5 prêmios na noite de hoje, pelo menos.

Como não vi, deixo vocês com uma crítica escrita pelo Nuno. Eu não li. Mas tenho certeza que faz jus ao filme. Aí vai... Espero que gostem.

O curioso caso de Benjamin Button: o que faltou entre a boa idéia e a maquiagem perfeita.

Dúvida

ou O menu da Santa Ceia

Quando fui pesquisar a filmografia do americano John Patrick Shanley, não achei entre os poucos filmes do diretor algum que eu realmente conhecesse, mesmo tendo ouvido falar de um ou outro. A exceção foi o primeiro filme dele, Feitiço da Lua (Moonstruck, 1987), sucesso de público, crítica e premiação. No Oscar daquele ano, a película apareceu no telão do Kodak Theatre seis vezes, das quais 3 foram bem-sucedidas. Além da melhor atriz Cher e da melhor atriz coadjuvante Olympia Dukakis, o próprio Shanley subiu no palco para receber a estatueta, por melhor roteiro original. O filme foi um dos que aumentou a minha coleção de DVDs no último natal, mas ainda não tive tempo de ver, para comprovar minhas suspeitas (por ter lido o artigo interessante sobre ele na wikipedia e a sinopse na capa) de que trata-se de um trabalho muito legal.

Sendo assim, comecei do fim a obra de Shanley, cuja carreira no teatro tem apenas 5 anos a mais do que no cinema, mas uma sugestiva e maior expressividade. Feliz descoberta. Dúvida (Doubt, 2008), aparece entre os indicados do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como o meu preferido (não vou nem dizer que sua duração tímida de 104 minutos me agradou). Quase imperceptível (mesmo tendo a despretensão de incluir no elenco os oscarizados Meryl Streep e Phillip Seymour Hoffman) diante de gigantes como O curioso caso de Benjamin Button (The curious case of Benjamin Button, 2008), controversos como O Leitor (The Reader, 2008) e azarões como Quem quer ser um milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), Dúvida chega pra ficar e deixar suas marcas.

O tema, um padre supostamente pedófilo, não é original, mas é atual. A questão, porém, é outra. Para penetrar camadas semânticas mais profundas, é preciso entender que o filme se passa no Bronx, na Nova York dos anos 60. O cenário é um colégio de freiras que recentemente incluiu em seu corpo de alunos o primeiro negro: sinal de mudança dos tempos, tolerância. O preconceito racial surge como uma temática subliminar secundária, pra realçar ainda mais outras questões éticas que também merecem espaço. E não é só o envolvimento suspeito (mas não confirmado) entre um padre e o tal garoto afro-americano que cria dilemas morais, mas sim assuntos como fé, tolerância e, é claro, dúvida. Irmã Aloysius, personagem da inadjetivável Meryl Streep, começa a acreditar que as relações entre o padre Flynn e Donald Miller passam de qualquer limite aceitável. Ela insiste, bate o pé, sustenta até o fim a idéia, mesmo sem ter nenhuma prova. Seus motivos para crer nisso superam mesmo os motivos igualmente fortes que tem para suspender suas suspeitas. E, no meio disso, vemos crescer o sofrimento da irmã James (Amy Adams), que foi a primeira a incitar a dúvida na cabeça engenhosa da outra freira, e depois de um tempo se arrepende e se sufoca em dúvidas, embora afirm que acredita na versão do padre Flynn do caso.

A dúvida que corrói, num contexto em que os votos religiosos tornam as pessoas mais reservadas em relação à fofoca e à falastrice é o que chama atenção no enredo. Numa direção oposta, temos na irmã Aloysius a única personagem que, a princípio, só tem certezas. Assim como a fé dogmática que tem, ela não precisa de provas para ter absoluta convicção do crime do padre. Imagine uma mulher dona de uma teimosia quase irritante, obstinada e austera, forte e absoluta. Agora, imagine que quem está interpretando essa ilha de certezas no meio de um poço de dúvidas é Meryl Streep!

A entrada da atriz no filme nos lembra O diabo veste Prada (Devil wears Prada, 2006). Somos introduzidos a um par de pés caminhando sutilmente pelo corredor de uma igreja enquanto ouvimos um sermão. Apesar de não fazer barulho, sentimos a presença pesada de alguém. O rosto de Meryl Streep se revela para xingar um menino que está desatento à fala do padre. A desatenção pode nos levar a associar instintivamente a Irmã Aloysius a Miranda Priestly. Ao longo do filme, até que podemos forçar algumas semelhanças posteriores, como raríssimos (ênfase no íssimos) momentos de fraqueza, dos quais quase não posso falar sem que todo o enredo seja desvendado. Mas desta vez, a personagem de Streep tem uma força distinta. Uma crença praticamente inabalável e uma obstinação que intimida. E por sobre todas essas qualidades, um senso de humor inacreditável. Preste atenção no que ela fala, nas piadas que faz, nos detalhes incríveis iluminados pela câmera durante suas cenas mais tensas. É genial o trabalho de direção, mesmo com um enredo simples.

A câmera oblíqua está presente em cenas escolhidas a dedo, como que deslocando e perturbando o olhar, seja nos diálogos corriqueiros e aparentemente banais (você quase não verá falas banais em Dúvida), seja nos momentos de tensão, como na cena em que Irmã Aloysius e Irmã James prendem o padre Flynn numa arapuca mental quando apresentam pela primeira vez suas suspeitas em relação ao comportamento do pároco. O filme caminha na corda bamba entre a suspeita e a certeza, é recheado de diálogos com rodeios, como uma eterna conversa tensa em que não se chega nunca ao assunto principal, embora os interlocutores já saibam desde o início exatamente sobre o que debatem...

Entrando no mérito da atuação, se temos na interpretação de Kate Winslet em O Leitor um prato cheio, Dúvida é um verdadeiro banquete. A entrada é Phillip Seymour Hoffman, plácido e imaculado na figura do Padre Flynn. O prato principal é certamente Meryl Streep e suas tiradas capciosas, com uma pitada apimentada e quase inconveniente de humor negro. Toda a refeição desce mais fácil com os goles de Amy Adams. A eterna Encantada (Enchanted, 2006) é a personagem que mais muda durante o filme. De freira inocente, sensível e carinhosa, torna-se sem querer, pelo simples fato de estar bem no meio do fogo cruzado entre Irmã Aloysius e Padre Flynn, uma pessoa desaçucarada. De sobremesa, temos uma agradabilíssima surpresa: uma aparição de 5 minutos que faz toda a diferença. Viola Davis e sua personagem, Sra. Miller, mãe de Donald, o garoto, é uma presença agridoce com uma cobertura meio-amarga, e rendeu à atriz uma indicação lisonjeira ao prêmio de Melhor atriz coadjuvante.

Obviamente, no caminho da adaptação entre a peça Dúvida: uma parábola, do próprio Shanley, e a produção cinematográfica, algo se perdeu. Talvez pensemos nisso de maneira mais atenta quando prestamos atenção no garoto que divide a tarefa de coroinha com Donald Miller. Intrigante e enigmático. Realmente algo deve ter me passado despercebido porque tudo o que eu concluí sobre este personagem - certamente significante - foram interrogações. Mas - com o perdão do trocadilho infame e inevitável - sem dúvidas, este filme nem precisa de Oscars (como imagino que não deva ganhar nada mesmo, assim como foi esnobado pelo Globo de Ouro em todas as 5 categorias a que concorreu) para que eu o inclua na lista de must-sees do ano.

Doubt, 2008
Direção: John Patrick Shanley
Roteiro: John Patrick Shanley, baseado numa peça do mesmo autor
Duração: 104 minutos
Elenco: Meryl Streep, Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams, Viola Davis
Indicações ao Oscar:
Melhor roteiro adaptado
Melhor atriz (Meryl Streep)
Melhor atriz coadjuvante (Amy Adams)
Melhor atriz coadjuvante (Viola Davis)
Melhor ator coadjuvante (Phillip Seymour Hoffman)

terça-feira, fevereiro 17, 2009

A Troca

ou De boas intenções o Framboesa de Ouro tá cheio

Angelina Jolie sofre do Mal de Papparazzi. E olha que isso nem é uma doença degenerativa descoberta por algum italiano sem vergonha. O que acontece com a atriz é um fenômeno inconveniente: a Angelina Jolie mãe de 6 filhos, casada com o Brad Pitt, que faz visitas esporádicas à África e combate a fome e amiséria no mundo ficou bem mais famosa do que a Angelina Jolie atriz. Não que seja ruim ser uma samaritana do século XXI... Mas ela tem um trunfo ao seu favor: ganhou um Oscar antes de ficar realmente famosa, o que ameniza um pouco a estranheza ao ver uma personagem dos tablóides na lista de indicados. Ela é sim boa atriz, não vou duvidar disso. Que ela é um acontecimento estético nenhum ser humano em sã consciência e visão pode discordar. Então por que será que Angelina Jolie não vai ganhar o Oscar?

Por causa da Kate Winslet, ou da Meryl Streep, ou da Academia? Acho que não. Angelina caiu no conto do vigário igualzinho à Nicole Kidman neste filme. Assinou o contrato ao ver o nome do Clint Eastwood como diretor e pagou pra ver. Prejuízo o filme não vai ter. Até o momento, já lucrou quase o dobro dos 55 milhões investidos nele. Mas o que A Troca (Changeling, 2008) tem em virtudes plásticas no que diz respeito à direção de arte e tudo mais, tem também em desvantagens.

Quando termine de ver, achei o filme bom. Fiquei pensando naquela história, de uma mulher que tem o filho desaparecido e dedica a vida para encontrá-lo, tendo que conviver com um garoto que diz ser a criança perdida, quando obviamente não é. Aí demorei uns minutos pensando com aquele pensamento de "já vi esse filme antes". E aí passa na televisão a propaganda da próxima reprise vespertina da Globo.

Olha que o problema de A Troca não é o clichê. Ninguem defende mais do que eu que alguns clichês existem por alguma razão, porque é necessário repetir certos temas. Vai saber o que se passa na cabeça da Universal de repetir esse, ela deve ter seus motivos. Provavelmente estampar as revistas com Angelina Jolie como a outra metade do casal mais famoso do planeta num feito (corrijam-me se eu estiver errado) inédito de indicação dupla ao Oscar. Só que não convenceu.

O roteirista J. Michael Straczynski, que costuma trabalhar como autor de roteiros de histórias em quadrinhos como Spiderman e Thor, disse um dia que 95% do que escreveu no script de A Troca veio dos documentos, depoimentos e notícias reais do caso. É por isso que nos primeiros segundos da película, vemos escrito "Uma história verdadeira", desprecedido do famoso "baseado em...". O escritor sabe bem que é difícil acreditar nuns e noutros detalhezinhos da história, mas garante a la Chicó que só sabe que foi assim. E é desse jeito, contando um caso violento, tocante, com um forte apelo emocional - quem é que não sofre um pouquinho mais quando o drama é com crianças? - que ele apresenta o desenrolar do caso Walter Collins. O texto é bom, o problema é no argumento, no enredo.

Dá pra encontrar takes bacanas, principalmente na trama paralela que conta a história do único policial não-corrupto do bando e de um jovem garoto fulminado pelo remorso de ter ajudado um parente a matar criancinhas numa fazenda deserta. Dá pra ficar agoniado com o desespero de Christine Collins na primeira metade do filme. Dá pra dar razão a ela xingando e se descabelando, tentando dizer ao mundo que aquele que a polícia lhe trouxe não é o seu filho. Imagina só a situação... Dá pra sentir raiva do planeta e da polícia americana quando ela é mandada para um sanatório por não reconhecer aquele que seria o próprio filho. Jolie ajuda, sua atuação é poderosa e forte na medida certa. Dá até pra odiar o bandido psicótico do final e o chefe de polícia detestável, que é o principal vilão da história. Se você tiver coração mole ou estiver nos seus dias sensíveis, dá até pra deixar umas lágrimas caírem. E provavelmente você nem perceber que todos aqueles momentos lhe foram dados de bandeja, como se alguém lhe indicasse quando lamentar, quando gritar, quando perder as esperanças e quando reconquistá-las. No meio desse circo todo, o filme não chega lá. Não que não chegue a lugar algum, ele simplesmente não se justifica. Mesmo em seus pontos mais altos, como uma das cenas finais em que um dos garotos que se perderam junto com o filho de Christine reaparece 8 anos depois - estranhamente, o garoto AINDA parece ter 10 anos de idade... - e dá um depoimento dizendo como Walter foi herói ao salvá-lo do bandido do mal, nós nos sentimos desgastados e cansados daquele caso.

E nos perguntamos, por que, ó Clint Eastwood? Por que nos fez engolir 140 minutos dessa história? Você que nos trouxe Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006) e Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), isso só pra falar da última década... Você que foi o herói dos nossos pais, "The Man With No Name" do faroeste... Se fosse o Ron Howard a gente entendia, mas ele preferiu dirigir o Frost/Nixon (boa escolha) e ficar só como produtor desse. Por que chamar o Jeffrey Donovan pra fazer o vilão? Por que simplesmente ignorar que o tal assassino molestava as crianças antes de matá-las?

Resumindo, A Troca é um filme com uma boa intenção. Mas pra falar de superação e de lutar até o fim, qualquer filme de cachorro da Sessão da Tarde novela da Globo, ou página de tablóie causa o mesmo efeito.

Changeling, 2008
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: J. Michael Straczynski
Elenco: Angelina Jolie, John Malkovich, Jeffrey Donovan, Michael Kelly, Jason Butler Harner
Indicações ao Oscar:
Melhor Atriz (Angelina Jolie)
Melhor Direção de arte
Melhor Fotografia

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Milk

ou Como desperdiçar uma chance de subverter

Sean Penn detona. Ninguém precisa ver um filme dele pra acreditar quando dizem que o cara é bom. O mesmo ator que um dia enfiou a cabeça da então namorada Madonna no forno também foi responsável por algumas das cenas mais memoráveis dos últimos 20 anos no cinema. Quem é que não se lembra do beatlemaníaco com problemas mentais de Uma lição de amor (I am Sam, 2001) ou do pai de família com instintos vingativos de Sobre meninos e lobos (Mystic River, 2003)? O que eu estou dizendo é que não será grande a surpresa se o ator californiano ganhar o homenzinho dourado no final do mês.

Mas se decidirem dar o prêmio de Melhor Filme para Milk, aí sim será uma grande surpresa (negativamente falando) pra mim. Não que o filme seja ruim - e não é, continue lendo... - mas simplesmente não acho que seja o melhor entre os 5. A sua vaga entre os indicados poderia ter sido preenchida por Dúvida (Doubt, 2008), por exemplo. Acontece que o Oscar, antes de ser justo, é político. É talvez por isso que vão dar um Oscar para a Kate Winslet e não para Meryl Streep. Na mão oposta, entretanto, temos uma situação inversa: a preservação da estrutura conservadora da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ao negar o prêmio a O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain) em 2007. É uma faca de dois gumes.

Milk é a história do ativista gay Harvey Milk, que é o primeiro homossexual assumido a assumir um cargo público na história dos Estados Unidos. À medida em que ganha fama e poder lutando pelos direitos da comunidade GLBT, Milk vê surgindo problemas em sua vida amorosa - que nunca foi das mais tranquilas - e proliferando o número de inimigos, principalmente políticos. Sean Penn não poderia estar melhor. Mas todo o brilho de seu personagem ofusca o resto do elenco. Não que sejam atores sem talento. Mas a maioria deles nem teve tempo de mostrar a que vieram. Com excessão dos ótimos Josh Brolin e Emile Hirsch, vemos desperdiçados James Franco e Victor Garber. E Diego Luna que me desculpe, mas mais chato impossível.

A segunda cena do filme é o anúncio da morte de Milk, ou seja, só nos falta saber até quando ele vai chegar antes do seu fim. E chega longe. A principal luta bancada pelo político é contra a Proposição 6, que tiraria das escolas públicas dos Estados Unidos todos os professores gays e quem os apoiasse. Vemos um Milk extremamente consciente, indignado com as controvérsias da sociedade norte-americana, que luta até o fim pelos seus ideais, mesmo com sua vida amorosa desmoronando, e ajuda milhares de jovens a saírem dos armários e se juntarem ao movimento anti-anti-gay.

O que incomoda é que a história se passa nos anos 70. Tudo bem, o boom da AIDS só veio nos anos 80. Mas numa comunidade - e num filme - onde todo mundo é homem, quase todo mundo é gay, simplesmente não há menção nítida à AIDS e a drogas. Ok, talvez fosse um clichê. Concordo plenamente que a maneira mais fácil, óbvia e quase sempre boba de falar sobre personagens gays é infectá-los logo com AIDS e entupi-los de drogas. Claro que não era esse o objetivo de Gus Van Sant com Milk. O problema é que esses elementos são quase totalmente ignorados.

Deixando de lado as imperfeições, saltam aos olhos algumas virtudes de Milk. A fotografia estourada, clara, branca como leite - isso não deve ter sido por acaso - contrasta com o underground em que os homossexuais geralmente estão enfurnados nas telonas. E condiz perfeitamente com o que Harvey Milk acreditava, que toda a comunidade deveria ir para a rua e mostrar que se não tivesse gays entre professores, padeiros, operários, bombeiros, policiais, e outras profissões essenciais para a sociedade, a coisa não funcionaria.

A mensagem do filme é atual. Apesar de a proposição 6 ser altamente absurda pra quem a vê com quase 40 anos de idade, temos atualmente a discussão em torno do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Talvez Milk seja uma profecia - voluntária ou não - de que daqui uns anos todo o preconceito da sociedade seja datado e absurdo. Mas as boas intenções do filme são limitadas pelo seu formato. É como se a oportunidade não tivesse sido aproveitada ao máximo. E olha que Gus Van Sant já provou que consegue aproveitar oportunidades em Elefante (Elephant, 2003). Falta força a Milk, falta fôlego aos megafones da película. Por causa disso, o filme é apenas uma cinebio que vai passar um dia na Tela Quente.

Milk, 2008
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Dustin Lance Black
Elenco: Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, Victor Garber, Diego Luna, Lucas Grabeel, Denis O'Hare.
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Direção
Melhor Ator (Sean Penn)
Melhor Ator coadjuvante (Josh Brolin)
Melhor Roteiro original
Melhor Montagem
Melhor Figurino
Melhor Trilha sonora original

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Foi apenas um sonho / O Leitor

ou A melhor coisa sobre ganhar um Oscar que já deveria ter sido ganho é que o filme nem precisa ser tão bom

Lembra o primeiro comentário que eu fiz sobre Nicole Kidman aqui? Pois é. Consigo gostar ainda mais de Kate Winslet. Quem me conhece pode supor que ela ganhou minha admiração eterna com essa música. Ah, atrizes que cantam...

Eu simplesmente não conheço um filme ruim com a Kate Winslet. Bem longe do perigo do exagero, tentei buscar podres no currículo da atriz e nem me surpreendi tanto ao descobri que é uma das poucas atrizes desta faixa etária que ainda não caiu numa armadilha de Hollywood. Falem o que quiser, eu adoro Titanic (1997) e acho O Amor não tira férias (The Holiday, 2006) uma das comédias românticas mais cômicas e românticas dos últimos tempos. Mas acho que desde bem antes, talvez com Almas Gêmeas (Heavenly Creatures, 1994), a atriz britânica já construía os alicerces de uma carreira brilhantemente imaculada. Convenhamos, Kate não tem a perfeição dos traços de Gwyneth Paltrow, nem a malícia no olhar de Angelina Jolie e nem a atmosfera sublime de Nicole Kidman. Mas ela tem algo que nenhuma das outras têm. Não, eu também não sei o que é.


Tecnicamente, a Academia já deve um Oscar para Kate Winslet há tempos. Acho até que ela não ganhar o prêmio pela sua primeira indicação num papel principal (melhor atriz em Titanic) foi um fator de grande importância para ela ser o que é hoje. Aliás, a própria indicação já foi um prêmio pra jovem inglesa, que já havia se destacado em Almas Gêmeas e Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility, 1996), disputando de igual pra igual a atenção com a então aclamada Emma Thompson. Depois de outras 3 indicações, Kate Winslet aparece entre as 5 melhores atrizes de 2008, segundo a Academia. No dia 22, ela vai ao Kodak Theatre com o peso de um Globo de Ouro duplo - ela venceu por Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante este ano, feito raríssimo (conquistado apenas por Sigourney Weaver em 1989, Joan Polwright em 1993 e Helen Mirren em 2007, tendo as últimas duas vencido um prêmio de cinema e um de TV). Ao que tudo indica, nem Meryl Streep será páreo para ela... Vamos às razões.

O Leitor (The Reader) é um drama que envolve um romance entre uma mulher em seus trinta e poucos anos e um jovem de 15 - [comentário inevitável] que lembra muito um dos cantores do grupo mexicano RBD, confira as fotos[/comentário inevitável]. Nos intervalos dos encontros sexuais dos dois, ele lê livros para ela. O tempo passa e eles se separam, encontrando-se anos depois durante um julgamento de criminosos nazistas na Alemanha. Ele, estudante de Direito. Ela, ré, acusada de permitir a morte de mais de 300 pessoas enquanto era parte da equipe de segurança em Auschwitz. Para uma piadinha remarcada por Zeca Camargo em seu blog no G1 sobre Kate Winslet e o Holocausto, clique aqui.

Toda a trama se desenrola tendo como base a noção de segredo. Não apenas aquelas verdadinhas chatas omitidas no dia-a-dia, mas os grandes segredos, que mudam o rumo de nossas vidas. A dificuldade em lidar com verdades interiores profundas afeta tanto a amargurada Hanna quanto o retraído Michael. Numa comparação tosca, podemos encontrar similaridades entre a premissa de Desejo e Reparação (Atonement, 2007) e de O Leitor. Ambos idam com tentativas fatalmente ineficazes de consertar erros do passado, em vários níveis de compreensão neste caso. O resultado é uma obra primorosa de Stephen Daldry, um filme que merece ser visto.

Mas é com um outro filme de Daldry que Foi apenas um sonho (The Revolutionary Road, 2008) se parece. Não que sejam enredos semelhantes. Mas a agonia do mundo moderno que toma conta da existência da personagem de Kate Winslet neste filme lembra muito, como o próprio Zeca Camargo disse, o sufocamento do personagem de Julianne Moore em As Horas (The hours, 2002). Kate vive April Wheeler, uma mãe de família suburbana de classe média que vive uma crise no relacionamento com o marido Jack, quero dizer, Frank, personagem de Leonardo diCaprio. A tentativa de resgatar o amor perdido dos dois é expressada pela idéia de April de largarem tudo e se mudarem para Paris. Mas o que era um oásis no meio do deserto, acaba por se mostrar uma miragem, e a chuva de obstáculos do mundo real pode colocar o plano dos dois a perder.

Temos como base um clichê, um ponto de partida simples e batido: como o conceito de família perfeita americana funciona na superfície e acaba por transformar o miolo num arranjo gasto e sujeito à putrefação. Some isso a dois personagens egoístas e incapazes de lidar um com o outro sem admitir que no fundo são um casal medíocre, com poucas perspectivas de abandonarem esse status. Enquanto Frank é, aos poucos, comprado pelo próprio orgulho, April se vê definhando num corpo (numa casa, numa família, num casamento) bem menor do que seu ideal de felicidade. Acho que a escalação do elenco não poderia ter sido melhor. Um casal de atores que há 12 anos se tornou um dos ícones do amor no cinema contemporâneo em plena crise depois do final-feliz. Leonardo diCaprio faz um trabalho corretíssimo e quase convence que realmente tem 30 e poucos anos. Mas cada cena de Kate Winslet nos faz relembrar por que ela faz filmes e por que ela fez este filme (e não é só porque é mulher de Sam Mendes, o diretor).

Quando o filme terminou, eu mesmo não consegui decidir se tinha ou não gostado, e a simples ocorrência da dúvida já me diz que o filme não é desses que se esquece por obedecer a fórmulas prontas. Não que seja realmente subversivo, afinal é Hollywood, mas certamente não é um filme comum. Outros filmes com relacionamentos conflituosos entre pessoas problemáticas podem até ser melhores (Closer, por exemplo), mas poucos foram tão densos quanto Foi apenas um sonho.

Há também que se destacar Kathy Bates, ótima como sempre, como a personificação do preconceito americano, Michael Shannon, como o lunático que parece ser a única pessoa sensata de toda a película, e o próprio conceito estético do filme: transformar Kate e Leo num casal tipicamente anos 50, com direito a cabelo loiro penteado de lado e roupas cáqui, numa casa com cerca branca e tudo. O desfecho da história faz jus ao título original. Revolução nos nossos conceitos.

Certamente, nenhum dos dois filmes foi o melhor da carreira de Kate Winslet. Mas se o prêmio vier, terá valido a pena a esperade 15 anos.

The Reader, 2008
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare
Elenco: Kate Winslet, David Kross, Ralph Fiennes, Lena Olin
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Atriz
Melhor Direção
Melhor Fotografia
Melhor Roteiro Adaptado

Revolutionary Road, 2008
Direção: Sam Mendes
Roteiro: Justin Haythe, Richard Yates (autor do livro)
Elenco: Kate Winslet, Leonardo diCaprio, Michael Shannon, Kathy Bates
Indicações ao Oscar:
Melhor Direção de arte
Melhor Figurino
Melhor Ator coadjuvante

domingo, fevereiro 08, 2009

Quem quer ser um milionário?

ou Por que Gloria Perez deveria ir ao cinema

Até uns anos atrás, tudo o que eu sabia sobre a Índia é que era um lugar com elefantes e vacas, com deuses de muitos braços e incensos. Aí o tempo foi passando e eu me deparei com algum espanto com a notícia de que além de uma das maiores populações do mundo, o país também também era um dos mais avançados no quesito tecnologia de ponta. Mas o mais surpreendente para a minha compreensão infantil era saber que a indústria cinematográfica indiana era quase tão grande quanto Hollywood. Até aí tudo bem, e eu nunca tinha visto um filme de Bollywood ou qualquer outra produção indiana. No máximo aqueles musicais espalhafatosos e gritados que se vê no youtube. Outro dia me falaram muito bem de um filme de lá, Saawariya, e agora tem até novela sobre o país e tudo.

Mas ainda não tinha visto nada que me mostrasse a Índia de uma maneira tão envolvente. Quem quer ser um milionário (Slumdog Millionaire, Danny Boyle, 2008) é um filme fabuloso, em todo sentido que a palavra puder significar. Realmente não poderia esperar um filme ruim de Danny Boyle, sem o qual o mundo haveria sido privado do desconcertante Trainspotting (1996) e do divertido Por uma vida menos ordinária (A life less ordinary, 1997), por exemplo. Mas eu nunca poderia supor que um programa bem parecido com o Show do Milhão pudesse inspirar um roteiro tão extraordinário. Falando em roteiro, o tal Simon Beaufoy já tinha escrito o excepcional Ou tudo ou nada (The full monty, 1997).


Quem quer ser o milionário conta a história do jovem Jamal, um "favelado" muçulmano tentando sobreviver nas ruas de Bombaim, ou Mumbai (não consegui deixar de pensar que ele era um Dalit, hehe, mas não se fala muito em castas no filme). Junto com o irmão Salim e uma amiga Latika, ele protagoniza uma verdadeira saga ao longo das ruas e dos anos. Separados pelo destino, os três "mosqueteiros" também irão se unir por força do acaso (ou puramente pela força de vontade de Jamal, que quer a todo custo reencontrar Latika e salvá-la das agruras da vida, por uma mistura de remorso por te-la abandonado um dia ou por amor) quando Jamal se torna um participante do programa Quem quer ser um milionário. Mesmo sem ter tido estudo, ele avança de maneira inacreditável nas perguntas até chegar às últimas. Durante um intervalo do programa, ele é investigado, porque desconfiam que esteja trapaceando. E é contando sua história que ele descreve como aprendeu cada resposta que deu durante a atração.


Mas não é apenas a história que chama atenção. Os jovens atores que formam o elenco do filme também abrilhantam a experiência, assim como a trilha sonora e os cuidados estéticos da direção. Alguns críticos disseram que Hollywood não fez nada que Bollywood não teria feito muito melhor e que a anglicização do filme o levou para um caminho comercial condenável, ou seja, o filme simplificou a cultura e os conflitos da sociedade indiana e transformou-o facilmente num conto de fadas vendável. Eu, como alheio à cultura indiana que sou, não consegui resistir ao argumento de que foi apenas uma licença poética. Sim, é um conto de fadas, é uma história de mocinhos e bandidos, mas não pode e não deve ser diminuída por causa disso.


Ao contrário de outras produções baseadas na Índia, que tentam inspirar nas pessoas um desejo de acender incensos e cantar mantras, Quem quer ser um milionário só quer contar uma estória. As danças indianas, a religião, os costumes, nada disso é glamurizado. Aparecem apenas, em medidas homeopaticamente corretas, como elementos de ligação e familiarização do filme.


A obstinação romântica e justiceira do personagem central é tão inspiradora que pode ter ofuscado as diferenças sociais, o preconceito e a criminalidade resultante de um arranjo social problemático que compõem o pano de fundo. Entretanto, tenho motivos para acreditar que esta foi a intenção das palavras de Beaufoy, inspiradas num livro de Vikas Swarup, da direção artística de Loveleen Tandan e da câmera de Danny Boyle. Quem quer ser um milionário, ou "favelado milionário", numa tradução livre do título original, já é um acontecimento do cinema (dez indicações ao prêmio da Academia que o digam). É um filme à altura do Globo de Ouro que ganhou, com um elenco à altura do prêmio de melhor elenco do SAG Awards. Defeitinhos históricos que porventura sejam observados precisam ser relevados. Pelo menos para mim, nesta edição do Oscar, Quem quer ser um milionário já tem um dharma (ou seria karma?) definido...


Slumdog Millionaire, 2008
Direção: Danny Boyle, Loveleen Tandan (creditada como co-diretora: Índia)
Roteiro: Simon Beaufoy, Vikas Swarup (autor de Q e A, o livro)
Elenco: Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Irrfan Khan
Duração: 120 minutos
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Roteiro adaptado
Melhor Fotografia
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora original
Melhor Música (2)
Melhor Edição de Som
Melhor Mixagem de Som


quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Frost / Nixon

ou Como "filme bom e barato" e "Ron Howard" podem caber na mesma frase

Tem gente que acredita que filme histórico tem que contar a verdade. Normal confundir História com Realidade, e mais normal ainda defender que filme tem que manter um registro fiel dos fatos. Eu até entendo isso, mas na minha compreensão, filme-fato é documentário. E olhe lá. Nem vou entrar aqui no mérito dos limites - tênues ou simplesmente imateriais, que o diga o cineasta mineiro Kiko Goifman (ver Filmefobia) - entre documentário e ficção. Não pretendo iniciar também uma discussão a la César Guimarães sobre o tema, porque nem acho que posso, e muito menos recorrer a Bazin pra afirmar que história e época também têm seu lugar no neo-realismo, porque não se aplica.

Mas defendo até o fim o mérito de Frost/Nixon (Ron Howard, 2008) , filme baseado na peça homônima de Peter Morgan, ao criar "verdades" que desrefletem a história da política estadunidense para justificar o drama do filme. Vou explicar:

David Frost é um jornalista-estrela carismático e fanfarrão que apresenta programas de auditório na Austrália. Como que por autodesafio, decide comprar uma entrevista com Richard Nixon, o quase-deposto 37º presidente norte-americano, que, lógico, decidiu renunciar, antes de ter sua reputação destruída por causa do escândalo de Watergate (lembrou daquela aula de História ou Teoria do Jornalismo? eu também...). O embate entre Frost e Nixon vai ficando cada vez mais tenso, porque os dois têm muito em comum: possuem uma autoconfiança que beira a arrogância. Por causa de sua experiência política extensa, Nixon sai "ganhando" na primeira bateria de entrevistas (várias foram gravadas, antes que Frost pudesse vendê-las a uma emissora interessada). Eis que Nixon, no auge do uísque, faz um telefonema noturno a Frost e mostra no viva-voz toda a sua vulnerabilidade, por trás da carcaça de político velho de guerra (literalmente, no caso).

Para alguns biógrafos, esse telefonema, que se torna a cena central do filme, em torno da qual toda a trama e subsequente reviravolta circula, nunca existiu. Neste caso, não é redundante falar que foi só licença poética, porque não é só uma mentirinha piedosa. É simplesmente algo que mudou o rumo da história política mundial. No filme, o telefonema e a entrevista do dia seguinte, em que (SPOILLERS!!! to brincando... todo mundo sabe o final da história!) Frost chega aos pontos fracos de Nixon, praticamente originou uma confissão do ex-presidente sobre crimes de estado como acobertação, perjúria e inúmeros procedimentos diplomáticos ilegais. Mas o que mais incomodou os tais biógrafos foi o fato de que Nixon não confessou exatamente POR CAUSA das provocações auspisciosas de Frost. Foi tudo friamente calculado. Vai saber...

No fundo, no fundo, nem é todo o imbroglio historico-ficcional que faz de Frost/Nixon um filme e tanto. Podemos começar pelas atuações. Além do brilhante Frank Langella, eu me surpreendi positivalmente com a performance de Michael Sheen. Seu Frost mulherengo e brincalhão mostrou que também tinha fraquezas e que, como qualquer pessoa, tinha medo do fracasso. Porém, quem brilhou nos prêmios foi Langella. Milhares de indicações, como o Globo de Ouro, o Screen Actors Guild Awards e o Oscar. Sinceramente, acho que ele não ganha não, mas merecer, isso ele merece. Há muito tempo (err, acho que nunca) não via um Langella tão seguro, tão notável "in a leading role". Ainda bem que Ron Howard não reatou o relacionamento com o Russell Crowe, seu former-sweetheart.

Falando em Howard, não foi exatamente uma surpresa ver um filme seu nas listas de prêmios. Mas um filme realmente muito bom que custou só 25 milhões é praticamente uma superação pro diretor. Só pra se ter uma idéia, o anterior e controverso Código da Vinci (Code da Vinci, 2006), custou 125 milhões para a Columbia Pictures. Se desconsiderarmos o filme que era sucesso garantido de bilheteria, tendo em vista o fenômeno que foi o livro de Dan Brown, temos ainda A Luta pela Esperança (Cinderella Man, 2005), que teve um orçamento de 88 milhões. Howard nunca foi o diretor preferido dos críticos mais puristas, mas com Frost/Nixon, que figurou em 9 em 10 listas dos melhores filmes de 2008, parece ter entrado no rol dos diretores de respeito de Hollywood.

Dá pra se divertir com Frost/Nixon. Dá pra ver coadjuvantes de luxo tornando o elenco impecável (temos Kevin Bacon, Sam Rockwell, Michael McFayden, Oliver Platt..). Dá pra ficar em dúvida sobre quem é o melhor... Sheen ou Langella? Será que, depois de tudo isso, dá pra ganhar Oscar? Na minha posição de ter visto ainda poucos filmes indicados a Best Picture, se eu fosse um jurado da Academia, eu diria: "Dá pra fazer!"

Frost/Nixon, 2008
Direção: Ron Howard
Roteiro: Peter Morgan
Elenco: Frank Langella, Michael Sheen, Sam Rockwell, Rebecca Hall, Oliver Platt, Kevin Bacon, Michael McFayden
Duração: 122 minutos
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Ator
Melhor Direção
Melhor Roteiro adaptado
Melhor Montagem

*crítica improvisada e mal-escrita.