domingo, maio 03, 2009

7.15 - Into the Wild

[ THE SERIES FINALE - Into the wild ]


Por muito e muito tempo eu fiquei pensando como é que eu ia terminar esse blog, tipo num último episódio mesmo. Claro que, algumas vezes, eu achei que esse dia não fosse chegar, embora eu soubesse, desde o início, que a trama principal não era eterna. Afinal, Friends terminou depois de 10 temporadas, Dawson's Creek depois de 6, The OC depois de 4. Os motivos variam: é falta de audiência, brigas contratuais ou simplesmente a inexplicável falta de assunto. Não que eu realmente tenha a pretensão de já ter falado de tudo por aqui, como disse no meu último post. Mas algumas tramas só duram o necessário. Ou então cria-se a famosa barriga: um assunto que teima em não acabar. Sabemos como isso é chato..

Em episódios finais, há casamentos: Ross e Rachel ficaram juntos pra sempre. Há desastres ecológicos que mudam as vidas das pessoas: um terremoto abala as estruturas de Newport Beatch em The OC. Há morte: Jen morre em Dawson's Creek. Há coisas que acontecem das quais nos lamentamos eternamente. Há finais errados. Há finais certos. Por aqui, se você olhar rápido, não vai ver grandes acontecimentos. Não há finais felizes, nem casamentos, nem mortes. Mas se você reparar bem, é tudo isso uma grande coisa, não é não?

Não é só o fato de eu ter feito aniversário. Não é mesmo o fato de, mais uma vez, eu ter fechado um ciclo de estações na vida. Mas por todo o processo. Quando eu comecei a escrever aqui (e o teatro ainda era no outro endereço, desativado anos depois), eu era um adolescente com o sonho de que minha vida fosse um seriado americano. Demorou até eu perceber que não era bem um seriado americano, mas as pequenas improbabilidades do dia-a-dia e a maneira como o destino foi escrevendo nossos roteiros me surpreenderam. É isso aí. Teve início de caso, fim de caso, teve dúvida, teve certeza, teve ousadia, teve introspecção. Teve mesmo tudo o que uma série de sucesso tem direito.

Se antes, cinco anos atrás, eu era um adolescente com sonhos e com uma vontade gigante de que as coisas acontecessem na minha vida, hoje eu sou quase a mesma pessoa. Só que, infelizmente, não sou mais um adolescente. Ou felizmente, sei lá. E daqui uns meses, não vou ser mais um universitário. É. Acho que eu to virando adulto mesmo. Dá medo, dói um pouco, mas um dia me disseram que as coisas vão dar certo. Basta que eu acredite. E que eu queira, e que eu busque. E blá. As coisas vão dar certo.

E eu não estou pensando em parar de escrever. Só vou escrever menos. E a gente ainda pode se ver nesse outro blog. E ainda tem surpresa por aí, novos blogs, novas emoções, uma nova série. Mais adulta. E não menos adolescente. EU ainda quero brincar de lego. AInda quero escrever minhas histórias e as dos outros. Ainda quero ritos de passagem. AInda quero amigos eternos e amores que duram um ano. Ainda quero ser um rockstar. Mas é a vida. A gente tem que entrar na natureza selvagem, mais cedo ou mais tarde. Alguns adiam pra sempre. Eu tento enfrentar o medo e encarar...

Viu? Nem foi uma despedida triste. Não era pra ser. Era só pra ser despedida mesmo. De brinde, uma musica pra nós.

É bom olhar pra trás
e admirar a vida que soubemos fazer
É bom olhar pra frente
É bom, nunca é igual
olhar, beijar, ouvir, cantar um novo dia nascendo
É bom e é tão diferente

Eu não vou chorar, você não vai chorar
Você pode entender que eu não vou mais te ver
por enquanto, sorria e saiba do que eu sei: eu te amo

Foi bom se apaixonar
ficar feliz, te ver feliz me faz bem
Foi bom, é bom e o que será?
Por pensar demais eu preferi não pensar demais
dessa vez...
foi tão bom e por que será?

Eu não vou chorar, você não vai chorar
Você pode entender que eu não vou mais te ver
por enquanto, sorria e saiba do que eu sei: eu te amo

Eu não vou chorar, você não vai chorar
Ninguém precisa chorar
mas eu só posso te dizer
por enquanto, que nessa linda história
os diabos são anjos...




sábado, abril 25, 2009

7.14 - L'avventura

[ L'avventura ]


Será que já foi tudo escrito? Tudo o que tinha de ser, sobre qualquer coisa? Por que é que eu não consigo mais terminar um texto pra postar aqui que não seja idêntico a qualquer um que eu já tenha postado? O calendário vai me dando algumas pistas do motivo.

É o motivo que eu respiro quando insisto em abrir os olhos de manhã, contrariando cada polegada cúbica de sono que ainda habita sobre minha cabeça. É o que me faz administrar e ponderar, e tornar o verbo "abdicar" cada vez mais cheio de sentido em minha consciência. É a consciência, afinal, do que pode ser e não ser, com clareza quase nítida das consequências de cada ato, embora a surpresa cotidiana ainda se faça açucarada em meu paladar.

É o meu motivo de acreditar ou duvidar, de sentir ou pensar, percebendo que há poucos limites entre os extremos, ou que simplesmente eram só pudores infantis. Não é hora pra ter menos indagações e mais surpresas, mas já é tempo de transformar os pontos de interrogação e as reticências deixadas pra trás ao longo da vida em pontos finais. Ou, ao menos, vírgulas (quisera exclamações!).

O motivo que me faz ter ideias concretas, tornando-as sonhos e, logo, planos. Descarto facilmente as utopias, mas mantenho esperanças. Expectativas em relação à vida. Por causa desse motivo, gosto mais quando a janela do quarto fica aberta enquanto a noite fria entra em flechas de ar. Por causa dele, encontro mais sinônimos, descubro mais ligações lógicas na poesia da humanidade.

Esse motivo me ensina que é difícil ser o melhor, mas que dá pra ser a gente mesmo, e se destacar dessa maneira. Ele me diz qual direção seguir, qual ônibus pegar pra voltar pra casa. Ele me ensina a sempre ter uma garrafinha d'água na mochila, e levar guarda-chuva mesmo com o estio mórbido anunciado. Ele me conta, de noite, qual é o momento certo, e me dá deixas.

O motivo me mostra pavios, mas esconde se eles vão incendiar velas ou explodir dinamites. São todas as escolhas que a gente faz. Trocando a festa pelos textos, trocando uma cidade por outra, trocando a calma certeira pela duvidosa agitação. O motivo que me impede de escrever é o mesmo que me mostrou, e continua insistindo a cada dia, que o importante não é o destino e sim a viagem - como se eu não soubesse.

Por causa desse motivo, eu durmo mais cedo quando sei que preciso. Ou mais tarde, quando acredito que posso. E por causa deles eu insisto em tomar decisões erradas, pelo prazer inconsciente da experiência. É o motivo pelo qual vou abandonando sem querer as emoções voláteis da adolescência. É o motivo pelo qual eu aumento de tamanho, sem mudar minha estatura. E que me faz sorrir ao olhar pela janela, ainda.

São as estações dando voltas. E eu sei que, no final, o outono sempre vai chegar. E trazer frios às noites. E folhas secas imaginárias para a gente pisar e fazer barulho. E não mudar apenas um dígito nos meus dados eletrônicos, mas trazer um pouquinho mais de juizo. É por causa dele que decidi parar de escrever neste blog.

"atenção, tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso!"

Que eu possa ter a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso, e sabedoria para distinguir umas das outras.


to be continued...

domingo, abril 12, 2009

7.13 - Nick and Norah's Infinite Playlist

[ Nick and Norah's infinite playlist ]
ou como aprendi a gostar de Kid Abelha, The Cranberries, Legião Urbana e Guns N'Roses com meus irmãos

Das características mais valiosas da minha própria personalidade, o ecletismo é a que mais prezo. Assim mesmo, sem nenhuma ressalva de modéstia, gosto de gostar de opostos, como diria o poeta. Não porque acho que é bacana ou cool exercer a tolerância, para que me vejam um pouco mais legal, nem mesmo para tentar, com meus gostos diversos, agradar grupos igualmente diversos de opiniões. Certamente não é pra me aproximar dos góticos new wave do mundo que The Cure é um dos temas da minha vida. Nem mesmo pra exibir minha bagagem cultural sofisticada que escuto os acordes aranhados de João Gilberto. É uma satisfação pra mim mesmo, e só pra mim, poder escutar, na mesma madrugada, uma power balada metal e uma moda sertaneja.

Sim, considero o ecletismo consciente uma preciosidade hoje em dia. Dias em que não há tolerância, nem mesmo entre os que se dizem mais cultos, por torcerem o nariz para o gosto musical do outro. Como fosse decepção descobrir que um amigo, tão notável por sua coleção de vinis da Maria Bethânia, também conservar nos armários um álbum da Blitz. E não, recuso-me a achar engraçado gostar da Blitz ou de qualquer dessas bandas-piada que os anos 80 trouxeram para as terras e palcos brasileiros. Talvez - provavelmente, eu diria - haja graça nas letras, que despertem os sorrisos amarelos dos conservadores que escondem suas intolerâncias musicais preconceituosas, mas não há motivo de riso no gostar em si. Gostar é sentir.

É mais do que possível sentir um milhão de coisas ao mesmo tempo, gostar de um milhão de coisas ao mesmo tempo. Contradições psico-comportamentais? Eu chamaria de riqueza. De virtude. E não falo aqui daquelas pessoas que porventura gostem de tudo o que a indústria fonográfica lhes oferecem, como uma enciclopédia de tudo que há no rádio. Nelas não vejo culpa, apenas um pouco de preguiça. Eu falo sobre quem é fã, ao mesmo tempo, de Menudo e Guns N' Roses. Antes que possam encontrar absurdos em minhas palavras, eu digo que é possível.

É por isso que eu respeito o que eu não gosto, que em termos mundiais, é muito pouco. Se falo mal de um tipo de música, quase sempre é por brincadeira. Reservo-me apenas o direito de não gostar de bandas (leia-se cantores/artistas). Sobre as músicas, é atitude mais do que sensata considerar a todas como uma só arte. Existe arte em cada intento de melodia. É por isso que quem prega o conservadorismo de uma música culta ou mais sofisticada tem uma mente tão pequena quando o intervalo entre duas notas em um chorinho.

Quando tenho que responder sobre minhas preferências musicais, quase sempre hesito, pelo simples fato de que é impossível para mim escolher as músicas de que mais gosto. Há muito deixei cair por terra as etiquetas que insistem em rotular estilos musicais e hoje, não digo que abomino axé music, funk ou sertanejo. Há muito desacreditei nos preconceitos (bons e ruins) que cercam a música que chamam de emo, ou folk rock, ou o diabo-a-quatro que contiver algo além de baixo, bateria e guitarra. Digo, sem timidez, que gosto de música boa. Se The Beatles é hoje a banda que me traz mais satisfação auditiva, amanhã posso gostar menos. Como acontece, de fato. Cada dia minha playlist é diferente, porque meu HD torna-se pequeno demais para suportar minha playlist infinita.

Se um dia eu tivesse uma banda e pudesse escolher despudoradamente o meu repertório, eu pagaria pra ver um show meu. De novo me desapego da modéstia pra dizer que não há fronteiras para as músicas boas. Posso me identificar com os vocais de grande extensão e com os cabelos longos das bandas de hard rock dos anos 80/90, como posso encontrar valor nos arranjos bubblegum-pop de boybands, lampejos de poesia nas melodias country americanas. Em qualquer campo da sociedade - seja na literatura, no cinema, na internet - intolerância é pior do que burrice.

Um pouquinho da minha playlist, neste exato momento:

Bon Jovi - You give love a bad name
Mr. Big - To be with you
The Beach Boys - I get around
Xuxa - Doce mel
Os Paralamas do sucesso - Ela disse adeus
Caetano Veloso - Queixa
Divynils - I touch myself
Manhattan - Kiss and say goodbye
Marisa Monte - Não é proibido
The Fray - Over my head
Trem da alegria - Pra ver se cola
Kid Rock - All summer long
Menudo - Niña Luna
Vinny - Universo paralelo
B5 - Só mais uma vez
The Platters - Smoke gets in your eyes
Erreway - Dije adiós
Zezé di Camargo e Luciano - Fui eu

(todas as músicas hiperlinkadas aqui são ótimas, estão entre as minhas preferidas e eu recomendo)

quarta-feira, março 18, 2009

7.12 - With honors

[ With honors ]

Li seus versos hoje mais cedo. Frases esparsas que você escreveu, que ouviu de alguém nos corredores ou simplesmente achou que poderiam tornar-se diálogo nas suas histórias jamais escritas. "Se a manhã me invade os olhos indiscreta...", você começou, sem poder terminar a frase. Sei, te conheço bem, você queria era fazer música. Era ter a criatividade e o brilho nas idéias que ilumina as mãos dos compositores. Idiota, você já tem. Só tem vergonha de encontrar, vergonha de achar você mesmo ridículo quando ler suas palavras em formas de melodia.

Lembra do último conselho que eu te dei, bobão? Para logo de reclamar da vida, para logo de esperar a oportunidade. Funcionou uns dias, né? Acha que eu não vi? Pois é, tava bem aqui do lado reparando o quanto sorrir à toa naqueles dias te fez bem. Eu percebi quando você pegou engarrafamento, depois uma chuva dos diabos e ainda chegou em casa sorrindo. Até suas meias estavam molhadas, olha que eu sei que nada te enfurece mais. Naquele dia você enfrentaria qualquer fila e preencheria qualquer formulário.

Agora taí? Nessa coisa parada, preguiçosa. Pensa que eu não escuto quando você pensa em dormir por mais algumas horas. Confessa! Você pensa às vezes em simplesmente ignorar todo e qualquer senso de responsabiliade. Mas eu sei e você sabe ainda melhor que eu, que você é responsável. Você não mata nem uma formiga se puder evitar. E se mata uma aula, é porque sabe que ela não é tão necessária. Desde criancinha você é assim, tenta parecer despachado, pra frente, tenta parecer "o" esperto, o safadinho... Mas ó, vou te contar um segredo. Você não é. Você é o cara certinho, essa é a sua função. E nem precisa achar ruim comigo, porque você é legal desse jeito. Sério, ow. Não tá vendo não? E esse tanto de gente que gosta de você exatamente assim? É porque elas precisam do seu bom humor pra começar as piadas e do seu bom senso pra acabar com elas quando é necessário. Eles sabem que você é e sempre será o mais sensato do grupo, aquele que vai pensar duas, três, mil vezes antes de agir.

É por isso que você não gosta de montanhas russas. Viu? Eu sei seus segredos, sei que você é taurino. Li seu horóscopo e sei exatamente suas fraquezas. Sei do seu medo de aranhas e da sua aversão por bonecos mascarados. E eu não rio não, eu entendo que só o fóbico entende a sua fobia.

Aliás, eu sempre estou lá. Eu estava do seu lado quando você escolheu esse curso, com uma ansiedade tão grande em virar gente grande. Me lembrava tanto aquele menininho que brincava de lego. E mesmo antes, quando não tinha tantos bonequinhos quanto eram os personagens que inventava, você transformava seus lápis de cor em pessoas. Cada uma com um nome, uma história, uma música. Você é foda, cara. Por que é que não entende? Por que é que duvida quando olha no espelho e deseja ser só um pouco mais alto, mais forte, mais bonito?

Conta aqui... já viu outra pessoa igual a você? Capaz de enxergar a mesma poesia em Nora Ephron e Fellini? Já viu alguém que chora lendo um livro do Nicholas Sparks e ao mesmo tempo decorou as linhas de García Marquez? Não, velho. Você é muito único, sem perigo de redundâncias. Aliás, falar que você é especial já é em si um pleonasmo. Você tem tanto ainda pra mostrar pra esse mundo aí. E se não conseguir terminar aquela música, não tem problema. Sério, nem tem problema se você não voltar a estudar piano, ou tirar carteira de motorista, ou comprar um computador novo ainda esse ano. Não precisa de tudo ao mesmo tempo. E não é porque esse é o seu último ano de faculdade que você vira gente grande no final. Você pode continuar sonhando, cara. Sério, dá até pra brincar de lego se você quiser... Não precisa resolver toda a sua vida porque alguém te disse que daqui uns meses você vai ser adulto.

Tá certo, eu sei, independência financeira sempre é benvinda. Acordar sem preocupações, gostar do trabalho, ter um cachorro, ter dois filhos, isso eu já sei que é o que você quer da vida. E sei também que se você chora de vez em quando é meio que porque sabe que nem todos os sonhos se tornam realidades. Mas se todos eles virassem reais, velho, qual é que seria a graça de sonhar?

Agora, se eu fosse você, tentava parar de reclamar da vida de novo. Tentava jogar mais frequentemente o jogo do contente sem temor de cair na resignação. Não era você que dava conselhos pros amigos dizendo que "everything is gonna be alright"?? Pois é, eu lembro disso também. Lembro que você tem sempre uma palavra legal pra dizer pra quem precisa. E até sei que quando você não sabe o que dizer, fica em silêncio, e sabe que isso é o melhor consolo.

Então, para com essa bobagem de acordar com preguiça, só contando as horas para o próximo momento de sono. E se o sol invadir seus olhos de manhã, agradeça por ele estar lá. Precisa de alguém pra te dar um tapa na cabeça e te mandar ficar ativo?? Olha da janela. Você adora janela. Olha e vê que se você estiver no caminho errado, no curso errado, no tempo errado, ainda tem uma eternidade pra você escolher mudar tudo de novo. E uma eternidade pra ganhar dinheiro, realizar sonhos, conquistar amores. Você é foda.

Outro conselho: vai terminar aquele roteiro. Suas frases são mesmo boas. Você sabe disso, principalmente quando encontra aquelas histórias antigas que escreveu quanto tinha uns 16, 17 anos. Só você mesmo pra escrever algo sobre você...

Dica de locadora: With honors - Com mérito (1994) Um filme foda. http://en.wikipedia.org/wiki/With_Honors_(film)

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

81st Annual Academy Awards

"Que porra é essa?". É o que eu imaginei que muita gente estivesse falando ontem, no início da cerimônia televisionada do prêmio anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, os Oscars. Inclusive uma parte lá dentro de mim que teme em ser conservadora também se debateu durante a abertura musical de Hugh Jackman. Mas antes de falar disso, vamos à história.

Sid Ganis é presidente da academia desde 2005. Preso num emaranhado de tradições, entre o glamour e a política, o americano já devia estar cansado do modelo de festa do Oscar, assim como nós. Mas se formos julgar pelos filmes cuja produção foi assinada por ele, é possível que há muito tempo ele já tinha em si o desejo de rodar a baiana. Este ano, que pode ser o último de seu mandato como cabeça da maior academia de cinema do planeta, chegou a sua hora.

Assim, tratou logo de contratar Laurence Mark e Bill Condon (produtor e diretor de Dreamgirls) para produzir a festa. Pela primeira vez desde que eu acompanho o Oscar, a festa não foi só uma cerimônia formal. Foi um filme. Um filmaço. Com cenários espetaculares inspirados em Michelangelo, um roteiro bem mais divertido do que o de costume, um figurino impecável desfilando pelo tapete vermelho, e, é claro, um elenco estelar. Nunca se viu um palco tão pequeno, tão próximo da platéia de astros milionários. Todas as surpresas que Ganis anunciou no dia 22 de fevereiro, ao indicar ao lado de Forest Whitaker em rede nacional os concorrentes, se concretizaram. O que Ganis, Condon e Mark estavam arriscando era simplesmente uma tradição octagenária. Poderia ser um sucesso ou um fracasso.

A escolha de Hugh Jackman fez os ortodoxos cults torcerem o nariz. "Po, ele é o Wolverine!!". Eu, inclusive, falei que não dava pra esperar muita coisa do ator australiano, mesmo que não fosse culpa dele que só lhe metessem em filmes em que ele interpreta ogros rústicos a la Marcos Pasquim. Jackman cresceu e apareceu. E fez bem, cantou bem, o número da abertura ficou realmente bacana. Teve tempo de dançar, atuar, pular, sapatear e ainda cantar em dueto com Anne Hathaway. Falem o que quiser, foi uma idéia genial criar uma atmosfera intimista de espetáculo. Pela primeira vez (vocês ainda vão ler muito essas três palavras neste post) na história, assistir ao Oscar foi assistir a um show. Uma novela com capítulos dirigidos por Judd Apatow (esse cara é muito bom) e Baz Luhrmann. Com voz de tenor, Jackman ganhou meu respeito.

A próxima surpresa da noite, que pra mim foi o auge desta edição do Oscar, foi o anúncio do prêmio de Melhor Atriz coadjuvante. Um videoclipe com algumas das 70 atrizes que já receberam o prêmio surgiu no telão, antes que 5 delas, escolhidas a dedo, representando gêneros diferentes, eras diferentes da história do cinema, ancestralidades diferentes, viessem ao palco para falar diretamente com as 5 indicadas. Nada daquilo "os indicados são", seguido de microvídeos com as ceninhas mais legais das atrizes nos filmes. Cada atriz indicada recebeu uma pequena homenagem de uma oscarizada. O espetáculo se repetiu com os outros 3 prêmios de atuação ao longo da noite. Teve Marion Cotillard anunciando o nome de Kate Winslet, teve Alan Arkin anunciando o nome de Heath Ledger. Maravilhoso!

Os prêmios foram divididos entre blocos temáticos. Os prêmios de montagem e som, por exemplo, foram anunciados em seqüência, os prêmios musicais (pô, Zac Efron??) de trilha sonora e canção original também, assim como os prêmios de direção de arte, num cenário especificamente planejado e muito bonito, feito um camarim da broadway. Tudo parecia muito certo, tão agradável de ver que a gente até esquecia que era o Rubens Ewald Filho que estava falando, e que tinha aparecido no Pre-Show comentando (maldades) do vestido alheio.

Contrariando uma contra-tradição que se estabeleceu nos últimos anos, o filme que ganhou o prêmio máximo do Globo de Ouro também ganhou o Oscar. Quem quer ser um milionário detonou, levando oito estatuetas. O meu medo é que isso cause raiva nos (principalmente nas) fãs do Brad Pitt e seu Benjamin Button. O filme sobre o favelado indiano será um dos últimos a estrear, e já vai chegar no Brasil ganhando inimigos. As pessoas irão ao cinema com resguardas e acharão milhares de defeitos no filme, disso tenho quase certeza. Mas merecido, isso foi.

É óbvio que ainda houve piadas sem graça, textos que pareciam não estar saindo da boca dos apresentadores pela excessiva artificialidade. Claro que ainda existiram imperfeições, uma cortina que não abriu direito, uma apresentação musical meio fraca de Melhor Canção original (o que deixou Peter Gabriel puto da vida). Só que toda a inovação dos números musicais (ponto pro medley de musicais dirigido por Baz Luhrmann estrelado por Jackman, Beyoncé Knowles, Zac Efron, Vanessa Hudgens (High School Musical), Amanda Seyfried e Dominic Cooper (Mamma Mia)) nos distraiu para a imensa obviedade dos premiados.

Com certeza, muita gente ficou desagradada com o show. Sinceramente, o Oscar foi um filme de Tela Quente, de Telecine Premium e não de Telecine Cult como costumava ser. Na minha opinião, neste caso, a escolha foi a mais acertada o possível. Foi o prenúncio de uma era do cinema que aponta pra um universo ainda mais espetacular, cheio de brilhos, cores e músicas. Foi a prova de que filmes blockbuster podem SIM ser interessantes e ter algo a dizer. Foi um tapa na cara dos críticos conservadores, foi a vitória do "there's no business like show business".

Gente, será que vocês não percebem que Hollywood é isso!!! Para ver filmes mais profundos, sérios e densos - não que sejam menos interessantes, muito antes pelo contrário - vá ver o Festival de Cannes (e olhe lá...) ou o Festival de Sundance. Oscar é Holywood, é gente dançando por aí, é o sonho do cinema americano que habitou nossos olhos durante a infância. É o cinema de Marilyn Monroe, James Dean, Marlon Brando (aquele novo, lembra?), Sophia Loren, é o cinema que hoje pertence a Brad Pitt, Angelina Jolie, Nicole Kidman e, sim, Hugh Jackman. É uma festa, é FEITO pra ser uma coisa fútil. É pra ser uma coisa bonita, um festival de vestidos coloridos e queridinhos da América. E, ainda mais sinceramente, se realmente tivesse sido só um prêmio bobo, Benjamin Button teria ganhado*...

Talvez, no ano que vem, quando um novo presidente estiver à frente da Academia, as coisas voltem ao antigo "and the Oscar goes to". Mas a simples ocorrência de uma festa subversiva, no melhor sentido que a palavra pode ter, me alimentou as esperanças de continuar sendo um fã de Hollywood. Há espaço para todos nesta terra de sonhos...

Melhor Filme: Quem quer ser um milionário?
Melhor Filme estrangeiro: Departures (Japão)
Melhor Curta: Toyland
Melhor Longa de animação: Wall-E
Melhor Curta de animação: La maison en petit cubes
Melhor Longa documentário: Man on wire
Melhor Curta documentário: Smile Pinki

Melhor Ator: Sean Penn (Milk)
Melhor Atriz: Kate Winslet (O Leitor)
Melhor Ator coadjuvante: Heath Ledger (Batman - O Cavaleiro das Trevas)
Melhor Atriz coadjuvante: Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona)

Melhor Roteiro original: Milk (Dustin Lance Black)
Melhor Roteiro adaptado: Quem quer ser um milionário? (Simon Beaufoy)

Melhor Diretor: Danny Boyle (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Direção de fotografia: Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Montagem: Chris Dickens (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Edição de som: Richard King (Batman - O Cavaleiro das Trevas)
Melhor Mixagem de som: Resul Pookutty, Richard Pryke, Ian Tapp (Quem quer ser um milionário?)
Melhores Efeitos visuais: Eric Barba, Steve Preeg (O curioso caso de Benjamin Button)

Melhor Direção de arte: Donald Graham Burt, Victor Zolfo (O curioso caso de Benjamin Button)
Melhor Figurino: Michael O'Connor (A Duquesa)
Melhor Maquiagem: Greg Cannon (O curioso caso de Benjamin Button)

Melhor Trilha sonora original: A.R. Rahman (Quem quer ser um milionário?)
Melhor Canção original: Jai Ho, de A. R. Rahman e Gulzar (Quem quer ser um milionário?)

Prêmio Honorário: Jerry Lewis



*Só pra evitar erros de interpretação, não vi o filme pra dizer se é bom ou ruim, ou bobo ou inteligente, só to dizendo que o prêmio pra este filme seria a coroação das pesquisas de opinião do G1, que dariam o prêmio pra Angelina Jolie e pro Brad Pitt pelo que eles são FORA dos filmes, não dentro.


domingo, fevereiro 22, 2009

O curioso caso de Benjamin Button

ou Nada se cria, tudo se copia

É. Chegou o dia do Oscar. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas festeja a 81ª edição prometendo surpresas. Começando pelo apresentador. Nada de comediantes conhecidos pelo mundo ou provenientes da televisão americana. Colocaram lá o adamantizado Hugh Jackman. E muito mais ainda está por vir... Vamos ver no que dá.


É. Não consegui ver todos os filmes que eu queria ter visto. Me faltaram Wall-E (2008), O Lutador (The wrestler, 2008) e Rio Congelado (Frozen river, 2008), além de uns outros indicados a uma coisa ou outra que queria ver só por curiosidade. E ainda me falta escrever sobre O casamento de Rachel (Rachel's getting married, 2008), que foi o último que eu pude ver. Mas isso fica pro pós-oscar, provavelmente. Quem mandou o carnaval ser agora??

E é. Eu não consegui ver O curioso caso de Benjamin Button a tempo. Talvez tenham sido os mais de 160 minutos do filme que me intimidaram. Andei tendo muito sono e pouco tempo esses dias. Cheguei até a comprar o ingresso pra ver o filme, mas não cheguei a tempo por causa do trabalho. E ainda disseram que era preconceito, porque era mais um blockbuster que estava tentando roubar o lugar dos meus amados filmes indies. Não é. Eu respeito o Brad Pitt, gosto da Cate Blanchett, e nunca tive motivos pra não gostar do David Fincher. Mas simplesmente aconteceu de eu não ter visto o filme, favorito absoluto a uns 5 prêmios na noite de hoje, pelo menos.

Como não vi, deixo vocês com uma crítica escrita pelo Nuno. Eu não li. Mas tenho certeza que faz jus ao filme. Aí vai... Espero que gostem.

O curioso caso de Benjamin Button: o que faltou entre a boa idéia e a maquiagem perfeita.

Dúvida

ou O menu da Santa Ceia

Quando fui pesquisar a filmografia do americano John Patrick Shanley, não achei entre os poucos filmes do diretor algum que eu realmente conhecesse, mesmo tendo ouvido falar de um ou outro. A exceção foi o primeiro filme dele, Feitiço da Lua (Moonstruck, 1987), sucesso de público, crítica e premiação. No Oscar daquele ano, a película apareceu no telão do Kodak Theatre seis vezes, das quais 3 foram bem-sucedidas. Além da melhor atriz Cher e da melhor atriz coadjuvante Olympia Dukakis, o próprio Shanley subiu no palco para receber a estatueta, por melhor roteiro original. O filme foi um dos que aumentou a minha coleção de DVDs no último natal, mas ainda não tive tempo de ver, para comprovar minhas suspeitas (por ter lido o artigo interessante sobre ele na wikipedia e a sinopse na capa) de que trata-se de um trabalho muito legal.

Sendo assim, comecei do fim a obra de Shanley, cuja carreira no teatro tem apenas 5 anos a mais do que no cinema, mas uma sugestiva e maior expressividade. Feliz descoberta. Dúvida (Doubt, 2008), aparece entre os indicados do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como o meu preferido (não vou nem dizer que sua duração tímida de 104 minutos me agradou). Quase imperceptível (mesmo tendo a despretensão de incluir no elenco os oscarizados Meryl Streep e Phillip Seymour Hoffman) diante de gigantes como O curioso caso de Benjamin Button (The curious case of Benjamin Button, 2008), controversos como O Leitor (The Reader, 2008) e azarões como Quem quer ser um milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), Dúvida chega pra ficar e deixar suas marcas.

O tema, um padre supostamente pedófilo, não é original, mas é atual. A questão, porém, é outra. Para penetrar camadas semânticas mais profundas, é preciso entender que o filme se passa no Bronx, na Nova York dos anos 60. O cenário é um colégio de freiras que recentemente incluiu em seu corpo de alunos o primeiro negro: sinal de mudança dos tempos, tolerância. O preconceito racial surge como uma temática subliminar secundária, pra realçar ainda mais outras questões éticas que também merecem espaço. E não é só o envolvimento suspeito (mas não confirmado) entre um padre e o tal garoto afro-americano que cria dilemas morais, mas sim assuntos como fé, tolerância e, é claro, dúvida. Irmã Aloysius, personagem da inadjetivável Meryl Streep, começa a acreditar que as relações entre o padre Flynn e Donald Miller passam de qualquer limite aceitável. Ela insiste, bate o pé, sustenta até o fim a idéia, mesmo sem ter nenhuma prova. Seus motivos para crer nisso superam mesmo os motivos igualmente fortes que tem para suspender suas suspeitas. E, no meio disso, vemos crescer o sofrimento da irmã James (Amy Adams), que foi a primeira a incitar a dúvida na cabeça engenhosa da outra freira, e depois de um tempo se arrepende e se sufoca em dúvidas, embora afirm que acredita na versão do padre Flynn do caso.

A dúvida que corrói, num contexto em que os votos religiosos tornam as pessoas mais reservadas em relação à fofoca e à falastrice é o que chama atenção no enredo. Numa direção oposta, temos na irmã Aloysius a única personagem que, a princípio, só tem certezas. Assim como a fé dogmática que tem, ela não precisa de provas para ter absoluta convicção do crime do padre. Imagine uma mulher dona de uma teimosia quase irritante, obstinada e austera, forte e absoluta. Agora, imagine que quem está interpretando essa ilha de certezas no meio de um poço de dúvidas é Meryl Streep!

A entrada da atriz no filme nos lembra O diabo veste Prada (Devil wears Prada, 2006). Somos introduzidos a um par de pés caminhando sutilmente pelo corredor de uma igreja enquanto ouvimos um sermão. Apesar de não fazer barulho, sentimos a presença pesada de alguém. O rosto de Meryl Streep se revela para xingar um menino que está desatento à fala do padre. A desatenção pode nos levar a associar instintivamente a Irmã Aloysius a Miranda Priestly. Ao longo do filme, até que podemos forçar algumas semelhanças posteriores, como raríssimos (ênfase no íssimos) momentos de fraqueza, dos quais quase não posso falar sem que todo o enredo seja desvendado. Mas desta vez, a personagem de Streep tem uma força distinta. Uma crença praticamente inabalável e uma obstinação que intimida. E por sobre todas essas qualidades, um senso de humor inacreditável. Preste atenção no que ela fala, nas piadas que faz, nos detalhes incríveis iluminados pela câmera durante suas cenas mais tensas. É genial o trabalho de direção, mesmo com um enredo simples.

A câmera oblíqua está presente em cenas escolhidas a dedo, como que deslocando e perturbando o olhar, seja nos diálogos corriqueiros e aparentemente banais (você quase não verá falas banais em Dúvida), seja nos momentos de tensão, como na cena em que Irmã Aloysius e Irmã James prendem o padre Flynn numa arapuca mental quando apresentam pela primeira vez suas suspeitas em relação ao comportamento do pároco. O filme caminha na corda bamba entre a suspeita e a certeza, é recheado de diálogos com rodeios, como uma eterna conversa tensa em que não se chega nunca ao assunto principal, embora os interlocutores já saibam desde o início exatamente sobre o que debatem...

Entrando no mérito da atuação, se temos na interpretação de Kate Winslet em O Leitor um prato cheio, Dúvida é um verdadeiro banquete. A entrada é Phillip Seymour Hoffman, plácido e imaculado na figura do Padre Flynn. O prato principal é certamente Meryl Streep e suas tiradas capciosas, com uma pitada apimentada e quase inconveniente de humor negro. Toda a refeição desce mais fácil com os goles de Amy Adams. A eterna Encantada (Enchanted, 2006) é a personagem que mais muda durante o filme. De freira inocente, sensível e carinhosa, torna-se sem querer, pelo simples fato de estar bem no meio do fogo cruzado entre Irmã Aloysius e Padre Flynn, uma pessoa desaçucarada. De sobremesa, temos uma agradabilíssima surpresa: uma aparição de 5 minutos que faz toda a diferença. Viola Davis e sua personagem, Sra. Miller, mãe de Donald, o garoto, é uma presença agridoce com uma cobertura meio-amarga, e rendeu à atriz uma indicação lisonjeira ao prêmio de Melhor atriz coadjuvante.

Obviamente, no caminho da adaptação entre a peça Dúvida: uma parábola, do próprio Shanley, e a produção cinematográfica, algo se perdeu. Talvez pensemos nisso de maneira mais atenta quando prestamos atenção no garoto que divide a tarefa de coroinha com Donald Miller. Intrigante e enigmático. Realmente algo deve ter me passado despercebido porque tudo o que eu concluí sobre este personagem - certamente significante - foram interrogações. Mas - com o perdão do trocadilho infame e inevitável - sem dúvidas, este filme nem precisa de Oscars (como imagino que não deva ganhar nada mesmo, assim como foi esnobado pelo Globo de Ouro em todas as 5 categorias a que concorreu) para que eu o inclua na lista de must-sees do ano.

Doubt, 2008
Direção: John Patrick Shanley
Roteiro: John Patrick Shanley, baseado numa peça do mesmo autor
Duração: 104 minutos
Elenco: Meryl Streep, Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams, Viola Davis
Indicações ao Oscar:
Melhor roteiro adaptado
Melhor atriz (Meryl Streep)
Melhor atriz coadjuvante (Amy Adams)
Melhor atriz coadjuvante (Viola Davis)
Melhor ator coadjuvante (Phillip Seymour Hoffman)

terça-feira, fevereiro 17, 2009

A Troca

ou De boas intenções o Framboesa de Ouro tá cheio

Angelina Jolie sofre do Mal de Papparazzi. E olha que isso nem é uma doença degenerativa descoberta por algum italiano sem vergonha. O que acontece com a atriz é um fenômeno inconveniente: a Angelina Jolie mãe de 6 filhos, casada com o Brad Pitt, que faz visitas esporádicas à África e combate a fome e amiséria no mundo ficou bem mais famosa do que a Angelina Jolie atriz. Não que seja ruim ser uma samaritana do século XXI... Mas ela tem um trunfo ao seu favor: ganhou um Oscar antes de ficar realmente famosa, o que ameniza um pouco a estranheza ao ver uma personagem dos tablóides na lista de indicados. Ela é sim boa atriz, não vou duvidar disso. Que ela é um acontecimento estético nenhum ser humano em sã consciência e visão pode discordar. Então por que será que Angelina Jolie não vai ganhar o Oscar?

Por causa da Kate Winslet, ou da Meryl Streep, ou da Academia? Acho que não. Angelina caiu no conto do vigário igualzinho à Nicole Kidman neste filme. Assinou o contrato ao ver o nome do Clint Eastwood como diretor e pagou pra ver. Prejuízo o filme não vai ter. Até o momento, já lucrou quase o dobro dos 55 milhões investidos nele. Mas o que A Troca (Changeling, 2008) tem em virtudes plásticas no que diz respeito à direção de arte e tudo mais, tem também em desvantagens.

Quando termine de ver, achei o filme bom. Fiquei pensando naquela história, de uma mulher que tem o filho desaparecido e dedica a vida para encontrá-lo, tendo que conviver com um garoto que diz ser a criança perdida, quando obviamente não é. Aí demorei uns minutos pensando com aquele pensamento de "já vi esse filme antes". E aí passa na televisão a propaganda da próxima reprise vespertina da Globo.

Olha que o problema de A Troca não é o clichê. Ninguem defende mais do que eu que alguns clichês existem por alguma razão, porque é necessário repetir certos temas. Vai saber o que se passa na cabeça da Universal de repetir esse, ela deve ter seus motivos. Provavelmente estampar as revistas com Angelina Jolie como a outra metade do casal mais famoso do planeta num feito (corrijam-me se eu estiver errado) inédito de indicação dupla ao Oscar. Só que não convenceu.

O roteirista J. Michael Straczynski, que costuma trabalhar como autor de roteiros de histórias em quadrinhos como Spiderman e Thor, disse um dia que 95% do que escreveu no script de A Troca veio dos documentos, depoimentos e notícias reais do caso. É por isso que nos primeiros segundos da película, vemos escrito "Uma história verdadeira", desprecedido do famoso "baseado em...". O escritor sabe bem que é difícil acreditar nuns e noutros detalhezinhos da história, mas garante a la Chicó que só sabe que foi assim. E é desse jeito, contando um caso violento, tocante, com um forte apelo emocional - quem é que não sofre um pouquinho mais quando o drama é com crianças? - que ele apresenta o desenrolar do caso Walter Collins. O texto é bom, o problema é no argumento, no enredo.

Dá pra encontrar takes bacanas, principalmente na trama paralela que conta a história do único policial não-corrupto do bando e de um jovem garoto fulminado pelo remorso de ter ajudado um parente a matar criancinhas numa fazenda deserta. Dá pra ficar agoniado com o desespero de Christine Collins na primeira metade do filme. Dá pra dar razão a ela xingando e se descabelando, tentando dizer ao mundo que aquele que a polícia lhe trouxe não é o seu filho. Imagina só a situação... Dá pra sentir raiva do planeta e da polícia americana quando ela é mandada para um sanatório por não reconhecer aquele que seria o próprio filho. Jolie ajuda, sua atuação é poderosa e forte na medida certa. Dá até pra odiar o bandido psicótico do final e o chefe de polícia detestável, que é o principal vilão da história. Se você tiver coração mole ou estiver nos seus dias sensíveis, dá até pra deixar umas lágrimas caírem. E provavelmente você nem perceber que todos aqueles momentos lhe foram dados de bandeja, como se alguém lhe indicasse quando lamentar, quando gritar, quando perder as esperanças e quando reconquistá-las. No meio desse circo todo, o filme não chega lá. Não que não chegue a lugar algum, ele simplesmente não se justifica. Mesmo em seus pontos mais altos, como uma das cenas finais em que um dos garotos que se perderam junto com o filho de Christine reaparece 8 anos depois - estranhamente, o garoto AINDA parece ter 10 anos de idade... - e dá um depoimento dizendo como Walter foi herói ao salvá-lo do bandido do mal, nós nos sentimos desgastados e cansados daquele caso.

E nos perguntamos, por que, ó Clint Eastwood? Por que nos fez engolir 140 minutos dessa história? Você que nos trouxe Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006) e Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), isso só pra falar da última década... Você que foi o herói dos nossos pais, "The Man With No Name" do faroeste... Se fosse o Ron Howard a gente entendia, mas ele preferiu dirigir o Frost/Nixon (boa escolha) e ficar só como produtor desse. Por que chamar o Jeffrey Donovan pra fazer o vilão? Por que simplesmente ignorar que o tal assassino molestava as crianças antes de matá-las?

Resumindo, A Troca é um filme com uma boa intenção. Mas pra falar de superação e de lutar até o fim, qualquer filme de cachorro da Sessão da Tarde novela da Globo, ou página de tablóie causa o mesmo efeito.

Changeling, 2008
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: J. Michael Straczynski
Elenco: Angelina Jolie, John Malkovich, Jeffrey Donovan, Michael Kelly, Jason Butler Harner
Indicações ao Oscar:
Melhor Atriz (Angelina Jolie)
Melhor Direção de arte
Melhor Fotografia