quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Milk

ou Como desperdiçar uma chance de subverter

Sean Penn detona. Ninguém precisa ver um filme dele pra acreditar quando dizem que o cara é bom. O mesmo ator que um dia enfiou a cabeça da então namorada Madonna no forno também foi responsável por algumas das cenas mais memoráveis dos últimos 20 anos no cinema. Quem é que não se lembra do beatlemaníaco com problemas mentais de Uma lição de amor (I am Sam, 2001) ou do pai de família com instintos vingativos de Sobre meninos e lobos (Mystic River, 2003)? O que eu estou dizendo é que não será grande a surpresa se o ator californiano ganhar o homenzinho dourado no final do mês.

Mas se decidirem dar o prêmio de Melhor Filme para Milk, aí sim será uma grande surpresa (negativamente falando) pra mim. Não que o filme seja ruim - e não é, continue lendo... - mas simplesmente não acho que seja o melhor entre os 5. A sua vaga entre os indicados poderia ter sido preenchida por Dúvida (Doubt, 2008), por exemplo. Acontece que o Oscar, antes de ser justo, é político. É talvez por isso que vão dar um Oscar para a Kate Winslet e não para Meryl Streep. Na mão oposta, entretanto, temos uma situação inversa: a preservação da estrutura conservadora da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ao negar o prêmio a O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain) em 2007. É uma faca de dois gumes.

Milk é a história do ativista gay Harvey Milk, que é o primeiro homossexual assumido a assumir um cargo público na história dos Estados Unidos. À medida em que ganha fama e poder lutando pelos direitos da comunidade GLBT, Milk vê surgindo problemas em sua vida amorosa - que nunca foi das mais tranquilas - e proliferando o número de inimigos, principalmente políticos. Sean Penn não poderia estar melhor. Mas todo o brilho de seu personagem ofusca o resto do elenco. Não que sejam atores sem talento. Mas a maioria deles nem teve tempo de mostrar a que vieram. Com excessão dos ótimos Josh Brolin e Emile Hirsch, vemos desperdiçados James Franco e Victor Garber. E Diego Luna que me desculpe, mas mais chato impossível.

A segunda cena do filme é o anúncio da morte de Milk, ou seja, só nos falta saber até quando ele vai chegar antes do seu fim. E chega longe. A principal luta bancada pelo político é contra a Proposição 6, que tiraria das escolas públicas dos Estados Unidos todos os professores gays e quem os apoiasse. Vemos um Milk extremamente consciente, indignado com as controvérsias da sociedade norte-americana, que luta até o fim pelos seus ideais, mesmo com sua vida amorosa desmoronando, e ajuda milhares de jovens a saírem dos armários e se juntarem ao movimento anti-anti-gay.

O que incomoda é que a história se passa nos anos 70. Tudo bem, o boom da AIDS só veio nos anos 80. Mas numa comunidade - e num filme - onde todo mundo é homem, quase todo mundo é gay, simplesmente não há menção nítida à AIDS e a drogas. Ok, talvez fosse um clichê. Concordo plenamente que a maneira mais fácil, óbvia e quase sempre boba de falar sobre personagens gays é infectá-los logo com AIDS e entupi-los de drogas. Claro que não era esse o objetivo de Gus Van Sant com Milk. O problema é que esses elementos são quase totalmente ignorados.

Deixando de lado as imperfeições, saltam aos olhos algumas virtudes de Milk. A fotografia estourada, clara, branca como leite - isso não deve ter sido por acaso - contrasta com o underground em que os homossexuais geralmente estão enfurnados nas telonas. E condiz perfeitamente com o que Harvey Milk acreditava, que toda a comunidade deveria ir para a rua e mostrar que se não tivesse gays entre professores, padeiros, operários, bombeiros, policiais, e outras profissões essenciais para a sociedade, a coisa não funcionaria.

A mensagem do filme é atual. Apesar de a proposição 6 ser altamente absurda pra quem a vê com quase 40 anos de idade, temos atualmente a discussão em torno do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Talvez Milk seja uma profecia - voluntária ou não - de que daqui uns anos todo o preconceito da sociedade seja datado e absurdo. Mas as boas intenções do filme são limitadas pelo seu formato. É como se a oportunidade não tivesse sido aproveitada ao máximo. E olha que Gus Van Sant já provou que consegue aproveitar oportunidades em Elefante (Elephant, 2003). Falta força a Milk, falta fôlego aos megafones da película. Por causa disso, o filme é apenas uma cinebio que vai passar um dia na Tela Quente.

Milk, 2008
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Dustin Lance Black
Elenco: Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, Victor Garber, Diego Luna, Lucas Grabeel, Denis O'Hare.
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Direção
Melhor Ator (Sean Penn)
Melhor Ator coadjuvante (Josh Brolin)
Melhor Roteiro original
Melhor Montagem
Melhor Figurino
Melhor Trilha sonora original

5 comentários:

Bruna Araújo disse...

Quase vi Milk todo, em algum momento simplesmente cansei de assistir mas, ainda vou terminar. Concordo quando vc exalta o Sean Penn - ele conseguiu toda a sutiliza necessária para o papel sem grandes esforços ou exageros.
No entanto discordo um pouco com sua crítica em relação a AIDS e drogas. Realmente até onde vi, ñ há qq indicio sobre o tema AIDS. Como você próprio disse, na década de 70 esse assunto era pouco velado. Já com relação as drogas, apesar de não ser o enfoque o filme retrata o uso sim. Não com dramas, overdoses. Mas, percebe-se o entorpecer nos atos de alguns personagens, além da menção clara sobre o assunto do Scott (James Franco). O Jack por sua vez aparenta estar em um contínuo estado de transe a não ser em raros momentos em que a vaidade dele sobressai sobre os altos de Harvey.
Concordo quanto ao posicionamento da academia em relação ao filme, é representativo sua indicação apesar dele não merecer a estatueta.
Não sei ainda se o Penn mereça o Oscar de melhor ator, ainda faltam alguns para eu conferir. Gosto muito do Emile Hirsch, o personagem dele é uma delícia de inquietude e adolescência.

Bruna Araújo disse...

Só mais um comentário, entre pitt e penn - ñ admito que pitt ganhe qq coisa.

Otavio Cohen disse...

é verdade bruna. realmente em relação as drogas têm algum murmúrio sim. e justamente no personagem que eu mais desgostei. pqp, o Jack é mto chato. deve ser por isso que minha mente anulou isso na hora q eu fui escrever a crítica.

Será que o Brad Pitt ganha? tenho minhas dúvidas...

mudando dde assunto, descobri hoje que o Chris Penn, irmão do Sean, morreu. Foi tipo uma bomba pra mim. ele morreu tem mto tempo já... n sabia.

Kel Sodre disse...

Uau
Passei um tempo sem visitar seu blog e me surpreendi com a guinada que ele tomou. Ta´se especializando mesmo em crítica de cinema, hein! E são boas críticas, com aquela linguagem que tem expressões como "seu personagem ofusca o resto do elenco" e que eu não sei se seria capaz de produzir.

Caramba... vc tá virando tão gente grande!

Otavio Cohen disse...

update em tempo: realmente, o primeiro caso de aids nos eua só veio em 78 ou 79. mesmo assim. ainda achei a discussão das drogas e do underground meio superficiais. não na primeira cena, em que Milk "flerta" no subsolo, no metrô, literalmente no underground. mas a partir daí, a maioria das cenas é externa, num lugar mto ensolarado pra ser um bairro gay.