terça-feira, julho 08, 2008

7.03 - Adaptation

[ Adaptation ]



Quando a gente é escritor, toda nota musical na partitura da vida vira assunto... "eu ainda vou escrever sobre isso..." ou "meu próximo post será sobre aquilo". Muitas vezes os assuntos passam pela gente, como as árvores ao lado da estrada quando se está de carro. Mas peraí... quem passa é o carro, quem passa somos nós. Deve ser por isso que os nossos textos ficam repetitivos depois de um certo tempo.
Sonhei com uma história e prometi transformá-la em novela. Esqueci a maior parte. Achei que pudesse escrever um texto sobre a minha mãe depois de pensar por alguns segundos que ela não estará aqui pra sempre. Faltou-me a coragem (pela idéia em si e pelo fato de que nenhum texto explicaria o que ela é pra mim). Rascunhei uma história sobre amizade, que no fim é exatamente igual à minha. E igual a todas as histórias que existem no mundo.
Pensei falar sobre o caminho de volta para a minha casa, ou sobre como eu nunca consigo manter o meu quarto organizado por muito tempo. Esbocei uma crítica sobre o filme, sobre aquele filme especial sobre um garoto e uma garota. Descobri que o filme mesmo é meio bobo. IMportante é o que ele me faz sentir. E sentimento não se escreve. Escreve-se sobre ele, mas não ele em si. E sobre é muito pouco.
Imaginei mil palavras se ordenando de forma a expressar todas as coisas que passam pela minha cabeça. Os segredos e confissões que estão guardados numa caixinha de sapatos em algum lugar. Mas essa é a plenitude e a beleza dos segredos. Manter-se obscuros é a sua humilde contribuição para o labirinto (ou seria quebra-cabeças) que é nossa vida.
Até mesmo sobre a vida eu quis escrever. Tentar através de palavras decifrá-la. Pretensiosamente desvendar passado e futuro. Mas a vida não é senão o que acontece do momento em que acordamos até o momento em que dormimos. E um pouco além.
Tentei me forçar a me lembrar de todos os sentimentos, todas as histórias de amor, para que eu pudesse escrever um dicionário. Quem leria? Não se aprende pelos outros. É preciso cada um quebrar a cara umas duzentas vezes na vida até encontrar a pessoa certa. E imagino que não deve ser mais fácil sentir a dor de ser a pessoa certa para alguém que não é a sua.
E os farelos no chão comprovam que falta alguma limpeza. Uma varrida no final do dia, talvez. Um dia escrevi sobre um desenho. Sobre um menino e seu amiguinho urso. Sobre como o ursinho descobria que o garoto estava crescendo e que logo não seria mais seu amiguinho. Talvez seu amigo para sempre. Mas não mais seu companheiro. Nesse dia eu percebi que nada é pra sempre, nem uma corrente de pensamentos de fim de tarde como essa.
Contar histórias é bom. Adaptá-las é quase sempre uma tarefa árdua que, se bem feita, já rende frutos. Afinal, histórias são pra ser contadas. Você não vive histórias. Quem vive histórias são personagens. Você (e infelizmente todos nós, e especialmente eu) vive é a vida.

(ai de quem disser que é bonita.)

Dica de locadora: Adaptation (Adaptação) - A metalinguagem vivida ao extremo... mesmo quando se refere a uma realidade que não é verdade. Roteiro de Charlie Kaufman e seu irmão Donald Kaufman (que não existe), interpretados por um Nicolas Cage inspirado, escrevendo sobre a sua própria história enquanto deveria escrever sobre Meryl Streep, que também tem sua própria história, em que surge Chris Cooper. No final, é tudo a vida...
Citação: Some forever, not for better... some have gone and some remain, In my life, by Lennon e McCartney
Trilha Sonora: Love grows (where my rosemary goes), by Freedy Johnston


15 comentários:

Anônimo disse...

Pode parecer mais nem é triste assim vai ...a vida...Claro que nd é como a gnt escreve ou imagina... Mas é cheia de surpresas de sentimentos é estranho a paixão e a contradição da vida causada pelo sofrimento e pelos sorrisos.
escrever, dramatizar, criar pode parecer só sonho mas nos faz sentir mais vivos.

Otavio Cohen disse...

n disse que é triste não. ela é até boa d vez em quando. mas quando escrevemos ela vira história. e história tem fim (até a história sem fim), enfim.

Kel Sodré disse...

Duas coisas:
1) alguém, alguma vez, disse pra gente "learn from the mistakes of the others. You may not have time to make them all yourself". No mundo ideal, né? Porque quem foi que disse que eu vou achar que o mistake do outro se encaixa na minha situação? Quem disse que eu não vou levar em conta aquela variável? Ou esse fator importantíssimo? Ou outro aspecto fundamental? Às vezes, pode até ser que a gente pudesse realmente learn from the mistakes of the others, mas será que compensa a dor de nunca ter tentado?

2) Será que dói mais ser a pessoa certa de quem não é a sua, ou a pessoa ser a certa pra você, que não é a dela? Sei lá... acho que é a mesma dor no final, só com uma cara diferente.

Unknown disse...

Meu problema com escrever é exatamente esse. Tenho um milhão de projetos engavetados pq tenho a impressão de que todas as histórias do mundo já foram contadas, e a gente fica se repetindo eternamente. Mas acho que a vida não fica muito longe da ficção. No fim das contas, o enredo é sempre o mesmo.. só mudam os personagens...

sblogonoff café disse...

Rs!
Como as árvores...
Realmente, qualquer coisa é um motivo para ser transformado em palavras. Eu já quis escrever sobre tanta coisa!!! Pelo menos você já tem material suficiente para um livro, enquanto eu só tenho um livro em mente!

E a vida, é bonita, é bonita e é bonita, com direito a bateria!!!
Mas é um bonito profundo, sabe, que coloca glíter nas feriadas através das causas e dos efeitos, que mostra perfeição no que achamos incorreto, que transforma o nó na garganta em alívio, a angústia em alento e o mundo imaginário em uma realidade de dimensões diferentes.
Exatamente como as histórias que não vivemos, os sentimentos que inventamos, os personagens fictícios... Isso é bonito. Isso é a vida, logo, Cher é Deus!

E Adaptação, sem dúvida é o filme mais surpreendente que vi nos últimos tempos.
É só não lembrar Go Back dos Titãs!

sblogonoff café disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
sblogonoff café disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Otavio Cohen disse...

meu poster sumiu!!

Unknown disse...

Ow, pude ouvir UNIFORMES tocando enqto eu lia seu post
Eu ouço sempre os mesmos discos
Repenso as mesmas idéias
O mundo é muito simples
Bobagens não me afligem
Você se cansa do meu modelo
Mas juro, eu não tenho culpa
Eu sou mais um no bando
Repito o que eu escuto
E eu não te entendo bem

E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem

Vi que vc foi no blog rs.Veio lagriminha nos olhos, sabe? Vou te dar um alento e um desespero: ESSA FASE DE INQUIETAÇÃO NUNCA VAI PASSAR! (ela dá um tempo, faz a gente pensar que tudo está bem resolvido na nossa cabeça. Mas depois, volta com tudo. E é bom que seja assim, senão, temos que fugir pras montanhas e viver que nem o riponga da novela das nove.)

Ruleandson do Carmo disse...

Tudo que ouço e me toca vira post. Podia ser o contrário eu escrever uma história linda e ela se tornar real.

Lu disse...

Parece que tudo que eu queria dizer já foi dito... olha a ironia do destino, a repetição das palavras, das idéias. É impressionante como as pessoas podem ser, ao mesmo tempo, tão iguais e tão diferentes.
Beijo e me visita no meu blog tb! www.naodissequeeralegal.blogspot.com

Malaguetta disse...

IMportante é o que ele me faz sentir. E sentimento não se escreve. Escreve-se sobre ele, mas não ele em si. E sobre é muito pouco.


amei isso O.o

Elga Arantes disse...

Nem tanto.

Vc descreveu a insuficiência das palavras para decsrever as coisa, os sentimentos, as omissões de forma perfeita e, pasme, usando as palavras.

"e não use o que eu disse contra mim"

Voltarei muitas mais vezes.

Um abraço.

disse...

É tinha bem tempo mesmo... tempo... Já reparou que essa palavra está em todo lugar? No meu post, no da michele, nos comentarios, e agora no seu. Bom, estamos em TEMPO de adaptação (afffff!), e se tem alguma coisa que eu não estou é adaptado. Mas nem tudo são rusgas. Há flores também no jardim do inverno. Os dias nessa época do ano são tão bonitos. Mas vou te confessar uma coisa: To loco pra ver a primavera!
bjos e saudades

Kel Sodré disse...

Otávio... comento aqui porque precisava ter certeza de que você iria ler isso.

Pelo seu comentário no meu último post, estou com medo de sermos a mesma pessoa, só que em versões diferentes... Será possível que duas pessoas tenham tanto assim os mesmos gostos????? Até as motos????????????
Ai, Deus!
Dia desses, quando eu for ao encontro semanal de toda quarta-feira e penetrar no Clube do Bolinha, te chamo. E o Namo vai adorar saber que tem mais um coleguinha pra compartilhar o papo sobre motocas.

Saudades também!