domingo, fevereiro 08, 2009

Quem quer ser um milionário?

ou Por que Gloria Perez deveria ir ao cinema

Até uns anos atrás, tudo o que eu sabia sobre a Índia é que era um lugar com elefantes e vacas, com deuses de muitos braços e incensos. Aí o tempo foi passando e eu me deparei com algum espanto com a notícia de que além de uma das maiores populações do mundo, o país também também era um dos mais avançados no quesito tecnologia de ponta. Mas o mais surpreendente para a minha compreensão infantil era saber que a indústria cinematográfica indiana era quase tão grande quanto Hollywood. Até aí tudo bem, e eu nunca tinha visto um filme de Bollywood ou qualquer outra produção indiana. No máximo aqueles musicais espalhafatosos e gritados que se vê no youtube. Outro dia me falaram muito bem de um filme de lá, Saawariya, e agora tem até novela sobre o país e tudo.

Mas ainda não tinha visto nada que me mostrasse a Índia de uma maneira tão envolvente. Quem quer ser um milionário (Slumdog Millionaire, Danny Boyle, 2008) é um filme fabuloso, em todo sentido que a palavra puder significar. Realmente não poderia esperar um filme ruim de Danny Boyle, sem o qual o mundo haveria sido privado do desconcertante Trainspotting (1996) e do divertido Por uma vida menos ordinária (A life less ordinary, 1997), por exemplo. Mas eu nunca poderia supor que um programa bem parecido com o Show do Milhão pudesse inspirar um roteiro tão extraordinário. Falando em roteiro, o tal Simon Beaufoy já tinha escrito o excepcional Ou tudo ou nada (The full monty, 1997).


Quem quer ser o milionário conta a história do jovem Jamal, um "favelado" muçulmano tentando sobreviver nas ruas de Bombaim, ou Mumbai (não consegui deixar de pensar que ele era um Dalit, hehe, mas não se fala muito em castas no filme). Junto com o irmão Salim e uma amiga Latika, ele protagoniza uma verdadeira saga ao longo das ruas e dos anos. Separados pelo destino, os três "mosqueteiros" também irão se unir por força do acaso (ou puramente pela força de vontade de Jamal, que quer a todo custo reencontrar Latika e salvá-la das agruras da vida, por uma mistura de remorso por te-la abandonado um dia ou por amor) quando Jamal se torna um participante do programa Quem quer ser um milionário. Mesmo sem ter tido estudo, ele avança de maneira inacreditável nas perguntas até chegar às últimas. Durante um intervalo do programa, ele é investigado, porque desconfiam que esteja trapaceando. E é contando sua história que ele descreve como aprendeu cada resposta que deu durante a atração.


Mas não é apenas a história que chama atenção. Os jovens atores que formam o elenco do filme também abrilhantam a experiência, assim como a trilha sonora e os cuidados estéticos da direção. Alguns críticos disseram que Hollywood não fez nada que Bollywood não teria feito muito melhor e que a anglicização do filme o levou para um caminho comercial condenável, ou seja, o filme simplificou a cultura e os conflitos da sociedade indiana e transformou-o facilmente num conto de fadas vendável. Eu, como alheio à cultura indiana que sou, não consegui resistir ao argumento de que foi apenas uma licença poética. Sim, é um conto de fadas, é uma história de mocinhos e bandidos, mas não pode e não deve ser diminuída por causa disso.


Ao contrário de outras produções baseadas na Índia, que tentam inspirar nas pessoas um desejo de acender incensos e cantar mantras, Quem quer ser um milionário só quer contar uma estória. As danças indianas, a religião, os costumes, nada disso é glamurizado. Aparecem apenas, em medidas homeopaticamente corretas, como elementos de ligação e familiarização do filme.


A obstinação romântica e justiceira do personagem central é tão inspiradora que pode ter ofuscado as diferenças sociais, o preconceito e a criminalidade resultante de um arranjo social problemático que compõem o pano de fundo. Entretanto, tenho motivos para acreditar que esta foi a intenção das palavras de Beaufoy, inspiradas num livro de Vikas Swarup, da direção artística de Loveleen Tandan e da câmera de Danny Boyle. Quem quer ser um milionário, ou "favelado milionário", numa tradução livre do título original, já é um acontecimento do cinema (dez indicações ao prêmio da Academia que o digam). É um filme à altura do Globo de Ouro que ganhou, com um elenco à altura do prêmio de melhor elenco do SAG Awards. Defeitinhos históricos que porventura sejam observados precisam ser relevados. Pelo menos para mim, nesta edição do Oscar, Quem quer ser um milionário já tem um dharma (ou seria karma?) definido...


Slumdog Millionaire, 2008
Direção: Danny Boyle, Loveleen Tandan (creditada como co-diretora: Índia)
Roteiro: Simon Beaufoy, Vikas Swarup (autor de Q e A, o livro)
Elenco: Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Irrfan Khan
Duração: 120 minutos
Indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Roteiro adaptado
Melhor Fotografia
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora original
Melhor Música (2)
Melhor Edição de Som
Melhor Mixagem de Som


4 comentários:

Edson Nunes / disse...

Espero manter a comunicação entre os blogs, pois essa intereção é bem proveitosa.

Abraços..

Anônimo disse...

Em passagem por São Paulo, peguei uma mostra de filmes de Bollywood na Cinemateca Nacional. Assisti um filme de nome irrecuperável e impronunciável, que era um perfeito "musical espalhafatoso". Achei divertido, valeu a experiência, mas depois de quase quatro horas, eu queria mais que o conflito se encerrasse logo.
Na mesma mostra, também passaram um blockbuster de super-herói bollywoodiano e uma refilmagem de Moulin Rouge. Queria ver o que deu, mas não tive como.


Acho Danny Boyle muito legal, mesmo nos seus filmes mais criticados. Depois que vi o Benjamin Button de Fincher, transferi para Boyle (sem ter assistido Slumdog Millionaire) minha torcida.

Anônimo disse...

Em passagem por São Paulo, peguei uma mostra de filmes de Bollywood na Cinemateca Nacional. Assisti um filme de nome irrecuperável e impronunciável, que era um perfeito "musical espalhafatoso". Achei divertido, valeu a experiência, mas depois de quase quatro horas, eu queria mais que o conflito se encerrasse logo.
Na mesma mostra, também passaram um blockbuster de super-herói bollywoodiano e uma refilmagem de Moulin Rouge. Queria ver o que deu, mas não tive como.


Acho Danny Boyle muito legal, mesmo nos seus filmes mais criticados. Depois que vi o Benjamin Button de Fincher, transferi para Boyle (sem ter assistido Slumdog Millionaire) minha torcida.

Bruna Araújo disse...

Finalmente assisti esse! Gostei muito tb. Estava pensando justamente sobre o que o filme diz sobre a Índia e essa mania de acharmos que estamos sendo rotulados ou que aquilo ñ mostra a verdade de alguma forma. Assim como você, pouco sei da Índia, e concordo que o filme ñ se prendeu nas questões sociais tanto que as cenas mais chocantes, ou engajadas, nem nos tocam tanto.Ele é uma estoria, muito bonita e desenvolvida. É espantoso a capacidade de criar uma trama em cima do "jogo do milhão"- talvez o que mais chame atenção, toda bem amarrada. Não achei nenhum fio solto q vc virasse e se questionasse sobre.

Algo que achei bem legal é a forma como o filme te conduz para esperar q tudo dê errado ao mesmo tempo que é uma história romântica. Talvez seja algo do resquício de filme socialmente engajado que se entranhou.

Achei perfeito os créditos. Ali está Bollyhood e dá de 10x0 nas vinhetas da Globo. 10 ñ.. 10000.