terça-feira, fevereiro 17, 2009

A Troca

ou De boas intenções o Framboesa de Ouro tá cheio

Angelina Jolie sofre do Mal de Papparazzi. E olha que isso nem é uma doença degenerativa descoberta por algum italiano sem vergonha. O que acontece com a atriz é um fenômeno inconveniente: a Angelina Jolie mãe de 6 filhos, casada com o Brad Pitt, que faz visitas esporádicas à África e combate a fome e amiséria no mundo ficou bem mais famosa do que a Angelina Jolie atriz. Não que seja ruim ser uma samaritana do século XXI... Mas ela tem um trunfo ao seu favor: ganhou um Oscar antes de ficar realmente famosa, o que ameniza um pouco a estranheza ao ver uma personagem dos tablóides na lista de indicados. Ela é sim boa atriz, não vou duvidar disso. Que ela é um acontecimento estético nenhum ser humano em sã consciência e visão pode discordar. Então por que será que Angelina Jolie não vai ganhar o Oscar?

Por causa da Kate Winslet, ou da Meryl Streep, ou da Academia? Acho que não. Angelina caiu no conto do vigário igualzinho à Nicole Kidman neste filme. Assinou o contrato ao ver o nome do Clint Eastwood como diretor e pagou pra ver. Prejuízo o filme não vai ter. Até o momento, já lucrou quase o dobro dos 55 milhões investidos nele. Mas o que A Troca (Changeling, 2008) tem em virtudes plásticas no que diz respeito à direção de arte e tudo mais, tem também em desvantagens.

Quando termine de ver, achei o filme bom. Fiquei pensando naquela história, de uma mulher que tem o filho desaparecido e dedica a vida para encontrá-lo, tendo que conviver com um garoto que diz ser a criança perdida, quando obviamente não é. Aí demorei uns minutos pensando com aquele pensamento de "já vi esse filme antes". E aí passa na televisão a propaganda da próxima reprise vespertina da Globo.

Olha que o problema de A Troca não é o clichê. Ninguem defende mais do que eu que alguns clichês existem por alguma razão, porque é necessário repetir certos temas. Vai saber o que se passa na cabeça da Universal de repetir esse, ela deve ter seus motivos. Provavelmente estampar as revistas com Angelina Jolie como a outra metade do casal mais famoso do planeta num feito (corrijam-me se eu estiver errado) inédito de indicação dupla ao Oscar. Só que não convenceu.

O roteirista J. Michael Straczynski, que costuma trabalhar como autor de roteiros de histórias em quadrinhos como Spiderman e Thor, disse um dia que 95% do que escreveu no script de A Troca veio dos documentos, depoimentos e notícias reais do caso. É por isso que nos primeiros segundos da película, vemos escrito "Uma história verdadeira", desprecedido do famoso "baseado em...". O escritor sabe bem que é difícil acreditar nuns e noutros detalhezinhos da história, mas garante a la Chicó que só sabe que foi assim. E é desse jeito, contando um caso violento, tocante, com um forte apelo emocional - quem é que não sofre um pouquinho mais quando o drama é com crianças? - que ele apresenta o desenrolar do caso Walter Collins. O texto é bom, o problema é no argumento, no enredo.

Dá pra encontrar takes bacanas, principalmente na trama paralela que conta a história do único policial não-corrupto do bando e de um jovem garoto fulminado pelo remorso de ter ajudado um parente a matar criancinhas numa fazenda deserta. Dá pra ficar agoniado com o desespero de Christine Collins na primeira metade do filme. Dá pra dar razão a ela xingando e se descabelando, tentando dizer ao mundo que aquele que a polícia lhe trouxe não é o seu filho. Imagina só a situação... Dá pra sentir raiva do planeta e da polícia americana quando ela é mandada para um sanatório por não reconhecer aquele que seria o próprio filho. Jolie ajuda, sua atuação é poderosa e forte na medida certa. Dá até pra odiar o bandido psicótico do final e o chefe de polícia detestável, que é o principal vilão da história. Se você tiver coração mole ou estiver nos seus dias sensíveis, dá até pra deixar umas lágrimas caírem. E provavelmente você nem perceber que todos aqueles momentos lhe foram dados de bandeja, como se alguém lhe indicasse quando lamentar, quando gritar, quando perder as esperanças e quando reconquistá-las. No meio desse circo todo, o filme não chega lá. Não que não chegue a lugar algum, ele simplesmente não se justifica. Mesmo em seus pontos mais altos, como uma das cenas finais em que um dos garotos que se perderam junto com o filho de Christine reaparece 8 anos depois - estranhamente, o garoto AINDA parece ter 10 anos de idade... - e dá um depoimento dizendo como Walter foi herói ao salvá-lo do bandido do mal, nós nos sentimos desgastados e cansados daquele caso.

E nos perguntamos, por que, ó Clint Eastwood? Por que nos fez engolir 140 minutos dessa história? Você que nos trouxe Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006) e Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), isso só pra falar da última década... Você que foi o herói dos nossos pais, "The Man With No Name" do faroeste... Se fosse o Ron Howard a gente entendia, mas ele preferiu dirigir o Frost/Nixon (boa escolha) e ficar só como produtor desse. Por que chamar o Jeffrey Donovan pra fazer o vilão? Por que simplesmente ignorar que o tal assassino molestava as crianças antes de matá-las?

Resumindo, A Troca é um filme com uma boa intenção. Mas pra falar de superação e de lutar até o fim, qualquer filme de cachorro da Sessão da Tarde novela da Globo, ou página de tablóie causa o mesmo efeito.

Changeling, 2008
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: J. Michael Straczynski
Elenco: Angelina Jolie, John Malkovich, Jeffrey Donovan, Michael Kelly, Jason Butler Harner
Indicações ao Oscar:
Melhor Atriz (Angelina Jolie)
Melhor Direção de arte
Melhor Fotografia

Um comentário:

Anônimo disse...

Mais uma vez não vi o filme, e não pretendo assistí-lo tão cedo (ou mesmo algum dia). Por isso vim me basear na sua experiência pra ver no que vai dar o Oscar.
Pra falar a verdade, no trailer, achei a atuação de Jolie muito além da medida. Vai ver que eles pegaram as cenas mais dramáticas de descabelamento, mas achei bem demais ela esguelando "My Son!" e depois "I want MY SON back!", batendo no peito e fazendo biquinho com aquele bocão. Mas enfim...pode ter sido só um trailer ruim e excessivo.

PS: quem é Chicó?