quarta-feira, março 19, 2008

6.19 - Sunset Boulevard

[ Sunset Boulevard ]


Durante todo o percurso, cada palavra ecoava e invadia minha mente, como se o fone de ouvido fosse, durante aquela tarde, parte do meu corpo. O que eu ouvia não era seqüência de notas, acordes e vozes, era algo mais intenso, mais completo, como se fosse possível ouvir ágape.
Foi então que eu olhei pra cima. O que eu enxergava não era o caminho usual de todos os dias do trabalho de volta pra casa, e sim o princípio do pôr do sol por entre as árvores. Os desenhos que fazem os galhos nunca foram tão bonitos quanto nessa época do ano, desfolhados mas muito vivos. Lembrei de vidas, vidas passadas? Tardes em clubes, esperando pela hora da aula, sentindo o cheiro de piscina enquanto brincava no balanço.

E tudo isso também era ela. Cada memória tornou-se um pouco do que são os seus cabelos, que eu nunca senti entre os meus dedos. A tarde era ela, porque ela era eu, pelo menos naquele instante. E eu aprendi num livro que um instante é o máximo que se pode esperar da perfeição. O sentimento ainda é criança e não aprendeu a falar.

Someday you will find me caught beneath the landslide
In a champagne supernova in the sky

Foi aí que eu comecei a cantar os versos alto. Mais alto do que eu geralmente canto, como se o mundo inteiro usasse o meu fone de ouvido. Os olhares de algumas pessoas passando por mim, espantadas, não me atingia. Porque era tudo tão harmonioso que eles pareciam entender minha necessidade de cantar, enquanto andava olhando para cima. A letra não importava mais. As entrelinhas transcenderam a profusão do momento.

O que as pessoas viam é o que eu não posso negar: sou mesmo estranho. Elas viam um garoto magro demais, com um corpo desajeitado e desproporcional, escondido sobre uma camisa grande e uma calça verde dois números acima, como eu sempre costumo usar. Nos pés, só o meu all-star todo preto, que ainda não combina com nenhum all-star azul. O que as pessoas viam é problema delas. Pra mim, era só céu e ela.

Quando a música mudou eu já tinha alcançado a avenida. Demorei mais do que o de costume para atravessar, como se estivesse adiando o momento de voltar para a vida real. Carros, bicicletas, beijos e casais, estudantes e revolucionários. Dentro de cada um uma história pra contar. Confesso que naquele instante, pouco me importava o resto do mundo. Só queria saber da minha própria história que ainda não está escrita.

O universo todo só existe para estar em volta dela. Será que ela sente quando ele a abraça? É tudo intenção. Porque eu também sou universo. E giro na órbita dela desde o primeiro dia. Com força instável e incontrolável, exaltada pelo álcool ou simplesmente pelo rastro do que ela é, que chega e fica.

If I could change the world, I would be the sunlight in your universe
And you would think my love is really something good
Baby, if I could change the world…

Opiniões são muitas. Como diria o Cazuza, me chamam de ladrão, de bicha, maconheiro. Às vezes algumas opiniões me atingem, mas na maioria do tempo, eu só quero continuar andando e cantando. Só quero continuar inventando meus amores e sendo acordado todos os dias pelo brilho da existência deles. Se acham grandes demais o meu nariz ou minha calça verde, que comecem a se acostumar. Se acham que eu sonho demais, me deixem atravessar a vida dormindo. Pelo menos no sonho ela está comigo.

What can I do? I fell like the color blue.


Dica de locadora: Sunset Boulevard (Crepúsculo dos deuses) - Um roteirista em fuga de credores termina por se esconder na casa de uma estrela do cinema mudo, que resolve contratá-lo para revisar o roteiro que marcará seu retorno às telas. O roteiro era insuportável, mas o pagamento era bom e ele não tinha o que fazer. No entanto, o que o destino lhe reservava não seria nada agradável.
Citação:
Trilha Sonora: I'll be there for you, by Bon Jovi

5 comentários:

sblogonoff café disse...

Se me perguntassem HOJE, o que mais faço com prazer, eu responderia: Ler o que o meu irmão escreve e uma certa amiga dele, a Nathalia.
É tudo tão bonito, tão perfeito. Essa fusão de letras e sentimentos.
Quem me dera!
Você é perfeito Otávio, com seu nariz, com sua calça verde, com seu all star preto, com suas manias etranhas. De perto ninguém é normal mesmo. Eu mesma me sinto uma alienígena em qualquer canto. Só estou em casa quando estou em casa. Ou perto de nós, do que fomos! Isso inclui os seus amigos.
Fora isso, sigo à parte do mundo, entre passagens.

Postei hoje sobre a páscoa. Na verdade, foi sobre passagens.

E pra você, deixo o poeminha do contra do Mário Quintana :Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão... eu passarinho!

Vôe!

Anônimo disse...

EU TAMBEM TO!
TO LA ASSISTINDO!

eu amo nossas historias nao escritas....

Beatriz disse...

"Se acham que eu sonho demais, me deixem atravessar a vida dormindo. Pelo menos no sonho ela está comigo."

Me identifiquei tanto... inclusive foi o que postei hoje.
Mas não só com isso, seu post meio individualista vai além de você, certo?
Enfim, adoro a música.

Claudia!!! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

p u t z !